A região está se movendo para ocupar o centro da nova economia verde global. E a Eco Nordeste acompanha este momento de perto em sua cobertura da COP30

O Nordeste deu um passo crucial para consolidar sua liderança na transição energética global com o anúncio do Fórum Interinstitucional de Powershoring, durante o seminário “Como Escalar e Acelerar os Investimentos Sustentáveis no Nordeste: As Oportunidades do Powershoring”, realizado em Fortaleza, no dia 23. Promovido pelo Consórcio Nordeste, o Banco do Nordeste (BNB) e o Instituto Clima e Sociedade (iCS), o evento reuniu especialistas, governadores e investidores para traçar o caminho de uma nova industrialização verde da região.
O Fórum, criado com a assinatura de Maria Netto, diretora executiva do iCS, e Rafael Fonteles, presidente do Consórcio Nordeste e governador do Piauí, será uma plataforma estratégica permanente. Seu objetivo é coordenar esforços para atrair, viabilizar e acelerar cadeias produtivas verdes que se beneficiam do vasto potencial de energia renovável (eólica, solar e biomassa) do Nordeste.
O objetivo é articular governos, empresas e sociedade civil na construção de uma base industrial verde apoiada na abundância de energia renovável da região. Mais do que gerar energia, a meta é reter valor econômico no território e transformar o Nordeste em um polo de transição energética e industrialização sustentável.
“O Nordeste tem um diferencial enorme, não apenas do ponto de vista nacional, mas internacional, que é a abundância de energia renovável”, afirmou Rafael Fonteles. Ele ressaltou a consciência dos governadores de que “este momento de transição energética é a principal oportunidade para uma verdadeira industrialização do Nordeste, baseada em nossas vocações naturais”.
Criado pelo economista Jorge Arbache, o termo powershoring descreve a realocação de indústrias para regiões com oferta abundante e competitiva de energia renovável. A lógica é simples: onde há energia verde, há competitividade industrial. O desafio é transformar essa vantagem energética em uma cadeia de valor produtiva e socialmente inclusiva.
Desafios e estratégias

Segundo a diretora executiva do iCS, Maria Netto, o Fórum pretende ser o espaço para desenhar essa transição de forma integrada. “Não basta gerar energia verde; precisamos criar cadeias de valor, aumentar a produtividade e garantir que o retorno fique com a população do Nordeste. O Fórum pode articular infraestrutura, investimentos e capacitação, para institucionalizar essa agenda a longo prazo”, afirmou. Para ela, a região precisa ser vista não apenas como fornecedora de energia, mas como território de inovação e oportunidade.
“O Nordeste tem portos estratégicos, acesso direto à Europa, recursos humanos qualificados e espaço para novas indústrias, de fertilizantes verdes a combustíveis limpos. É uma região capaz de se tornar um exemplo global de desenvolvimento sustentável integrado”, destacou.
Um dos principais gargalos apontados é a infraestrutura de transmissão de energia. Aldemir Freire, diretor de Planejamento do BNB, ressaltou que o banco, como um dos maiores financiadores da transição energética no País, está focado em reforçar a transmissão, tanto entre regiões quanto intrarregional. “O Ceará, por exemplo, figura como grande potencial produtor de hidrogênio verde (H2V), mas ainda carece de infraestrutura para que essa energia seja consumida e para gerar novos negócios no Nordeste”, avaliou.
Renovável com responsabilidade
O entusiasmo com o potencial renovável do Nordeste vem acompanhado de um debate sensível: os impactos ambientais e sociais da expansão das usinas eólicas e solares. O diretor de Planejamento do Banco do Nordeste, José Aldemir Freire, reconheceu que o setor precisa evoluir.
A sustentabilidade dos empreendimentos, especialmente o impacto ambiental e social no bioma Caatinga e nas comunidades locais, é um tema central desta construção. Aldemir Freire admite a existência de problemas, mas ressaltou a necessidade de um diálogo equilibrado: “Não existe produção de energia sem impacto. O que precisamos é minimizar. Alguns parques antigos tiveram problemas, especialmente na Caatinga e na relação com comunidades locais. Os novos projetos já trazem mais cuidado, mas o setor precisa avançar e não podemos avançar na discussão com um discurso de tudo ou nada”.
O diretor defendeu a criação de um selo de sustentabilidade para as usinas eólicas e solares, desenhado em diálogo com órgãos ambientais, instituições financeiras e comunidades. Ele sugere, por exemplo, que usinas sem o selo ou que o percam tenham um custo de crédito mais caro.
Freire também anuncia o fortalecimento da política do BNB para a Caatinga, com editais de recursos não reembolsáveis que somam mais de R$ 40 milhões para preservação, restauração e uso sustentável.
“O BNB, que já se consolidou como um dos principais financiadores da transição energética no Brasil, tem lançado editais para preservação da Caatinga e deve anunciar, na COP30, a criação de um fundo socioambiental para ações de sustentabilidade e descarbonização”, revelou.
“Queremos ser mais que financiadores da geração de energia. Precisamos fomentar também o uso sustentável da Caatinga, o armazenamento, a transmissão e a atração de indústrias descarbonizadas”, completou.

Agregação de valor
O consenso entre os participantes é que o Nordeste deve evitar ser apenas um exportador de energia verde barata. “Queremos agregar valor a essa energia”, ressaltou Aldemir Freire. Isso inclui o desenvolvimento da cadeia de valor “para trás” (produção de equipamentos locais) e “para frente” (utilização da energia na região para atrair grandes consumidores e indústrias descarbonizadas).
Maria Netto defendeu uma visão “sistêmica, holística”, na qual a região atraia indústrias intensivas em energia, como mineração e fertilizantes, que podem se beneficiar da fonte renovável. Ela mencionou a possibilidade de produzir fertilizantes mais verdes e baratos para beneficiar a agricultura brasileira.
Com a criação do Fórum Interinstitucional de Powershoring e a atuação coordenada de instituições como o Consórcio Nordeste, o BNB e o iCS, a região se posiciona para transformar seu potencial energético em desenvolvimento econômico sustentável, gerar empregos verdes e inovação tecnológica. O desafio da coordenação, destacado por Fonteles e Freire, encontra no Consórcio Nordeste o veículo essencial para essa concertação regional.
O redesenho da infraestrutura
Um dos gargalos mais citados durante o evento foi a falta de infraestrutura de transmissão para escoar e consumir localmente a energia produzida. Atualmente, a região gera mais do que consome, mas a capacidade de transmissão ainda é limitada. O resultado é o chamado curtailment, quando a energia gerada não é aproveitada por falta de linhas para transporte.
Para o BNB, porém, não basta transmitir energia para outras regiões. É preciso fortalecer a integração intrarregional, de forma que o excedente de um estado abasteça a demanda de outro e se crie um ecossistema energético autossuficiente e capaz de atrair novas indústrias intensivas em energia.
Bioma estratégico
O tema ambiental apareceu de forma transversal em todas as falas. O titular da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Francisco Alexandre, destacou que a preservação da Caatinga deve ser parte central da transição energética e que o bioma precisa ser reconhecido na COP30 como um sumidouro de carbono de relevância global, além de fonte de riqueza para as populações locais.
“A Caatinga é tão importante quanto a Amazônia em capacidade de sequestro de carbono. Precisamos discutir não só como protegê-la, mas também como gerar riqueza e benefícios para quem vive nela”, defendeu.
Para Alexandre, o maior desafio do Nordeste é garantir que a energia limpa gere riqueza local, e não apenas abasteça outras regiões. “Não temos problema em exportar energia, mas precisamos também produzir e gerar riqueza aqui. Temos que trazer a indústria, adensar as cadeias produtivas, e acabar com o absurdo de ainda termos fábricas queimando lenha para gerar energia”, sintetiza.
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Virada de chave
O Fórum de Powershoring nasce com estrutura tripartite, um Comitê Gestor, um Secretariado Executivo e grupos de trabalho temáticos; e o compromisso de funcionar como plataforma de coordenação permanente entre governos, setor privado, financiadores e academia.
A ideia, segundo os organizadores, é consolidar o Nordeste como laboratório vivo da transição energética. A região, que já tem 95% de sua matriz elétrica proveniente de fontes renováveis, pode agora dar o passo seguinte e transformar energia renovável em indústria limpa, empregos verdes e desenvolvimento de longo prazo.
“Estamos diante de uma janela de oportunidade histórica”, afirmou Aldemir Freire, do BNB. “Mas ela exige coordenação. O Nordeste precisa agir como bloco, com estratégia comum, ambientalmente responsável e economicamente inteligente”, completou.
O governador Rafael Fonteles resumiu o espírito da iniciativa: “essa não é apenas uma pauta energética, é uma pauta de desenvolvimento. O Nordeste está se organizando para ser o motor da nova economia verde do Brasil”.
O que está em jogo
Mais do que um fórum, o movimento de powershoring representa um reposicionamento estratégico do Nordeste na economia global. O modelo exportador de energia está sendo repensado e a energia renovável precisa ser base de reindustrialização, e não de dependência.
Há, porém, desafios concretos, de infraestrutura, regulação e governança. O setor ainda carece de regras que favoreçam o uso local da energia e que integrem sustentabilidade, competitividade e inclusão social. O Fórum pode preencher essa lacuna, se conseguir unir visão técnica e vontade política.
O Nordeste, historicamente visto como periferia energética, agora se coloca como protagonista climático. O sucesso dessa transição pode redefinir não apenas a economia da região, mas o papel do Brasil na corrida mundial pela descarbonização.


