Nordeste assume protagonismo em Carta para a COP30

Esta é mais uma matéria da série sobre o Nordeste na pauta climática, desta vez feita durante a 3ª Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, em Fortaleza

Foto de paisagem típica da Caatinga, com vegetação formada por árvores esparsas e arbustos de galhos retorcidos, alguns verdes e outros secos. O chão é pedregoso, com algumas pedras grandes visíveis, e um pequeno curso d’água atravessa a cena, refletindo o céu parcialmente azul com nuvens brancas
Carta traz a mensagem de um Nordeste que reivindica um futuro de protagonismo, justiça climática e prosperidade compartilhada, em respeito às suas identidades culturais e à vida | Foto: Alice Sales

Como legado dos diálogos acerca do enfrentamento das mudanças climáticas em regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas do mundo que marcaram o encerramento da 3ª Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (Icid III 2025), sediada em Fortaleza entre os dias 15 e 19 de setembro, o Consórcio Nordeste apresentou uma Declaração Final dos Governadores e Governadoras do Nordeste em uma Carta Compromisso em nome dos nove estados nordestino, que fortalece o protagonismo da região na pauta climática.

Na Carta, os governadores e governadoras do Consórcio Nordeste se comprometem com dez prioridades centrais: reduzir desigualdades sociais e promover oportunidades, liderar a transição energética justa, impulsionar a neoindustrialização sustentável, fortalecer a bioeconomia e a agricultura familiar, expandir educação e inovação verdes, estimular a economia circular, garantir segurança hídrica, preservar a biodiversidade com turismo sustentável comunitário, atrair investimentos socioambientais e conduzir todo o processo com transparência e participação popular.

“O Consórcio Nordeste nasce em 2019, quando os governadores decidiram transformar o Fórum de Governadores em um consórcio, uma ferramenta de gestão que atua por meio da articulação de pactos. Hoje, contamos com 18 câmaras temáticas, que abrangem áreas como educação, meio ambiente, desenvolvimento econômico, segurança pública e segurança hídrica. Essas câmaras se reúnem permanentemente e atuam de forma integrada. Esse é o papel cotidiano do Consórcio”, explica Gláuber Piva representante do Consórcio Nordeste.

O documento apresentado traz como cerne a mensagem de um Nordeste que reivindica um futuro de protagonismo, justiça climática e prosperidade compartilhada, em respeito às suas identidades culturais e à vida. A Carta também destaca o Plano Brasil Nordeste de Transformação Ecológica, uma iniciativa histórica e coletiva entre os governos, sociedade civil, academia, comunidades tradicionais, setor produtivo e movimentos sociais.

Território de soluções

Na foto, um homem está em pé, segurando um microfone e algumas folhas de papel enquanto fala ao público. Ele veste blazer bege claro, camiseta branca e usa óculos de armação amarela. Atrás dele há um painel com a inscrição “ICID 2025 – 3ª Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas”. Ao fundo, à direita, um homem idoso de cabelos brancos e óculos está sentado, observando a cena
Glauber Piva destaca o Plano Brasil Nordeste de Transformação Ecológica, segundo ele, uma iniciativa histórica e coletiva entre os governos, sociedade civil, academia, comunidades tradicionais, setor produtivo e movimentos sociais | Foto: Isabelli Fernandes

O plano afirma o protagonismo da região no debate climático nacional e internacional, destaca suas potencialidades em energia renovável, biodiversidade singular, sociobiodiversidade costeira e marinha, além de saberes tradicionais que orientam práticas regenerativas. Apresentado na COP Nordeste, durante a ICID 2025 em Fortaleza, o documento se consolida como preparação para a COP30 em Belém e sinaliza que o Nordeste não quer ser visto apenas pelas vulnerabilidades, mas também como território de soluções sustentáveis.

Glauber Piva ressalta que o Nordeste está pronto para protagonizar o debate sobre a crise climática e que isso se deve a três motivos principais. O primeiro deles é o bioma Caatinga: “a Caatinga é essencialmente nordestina e exclusivamente brasileira. As florestas tropicais secas respondem por cerca de 22% da retenção de carbono no solo. Além disso, esse é o bioma brasileiro com maior potencial de resposta à agenda climática. Estamos discutindo isso com base em ciência, dialogando com instituições como Embrapa, Senai/Cimatec (Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia), além de parceiros internacionais, para potencializar a bioeconomia e valorizar os saberes dos povos e comunidades tradicionais. Estamos construindo políticas públicas a partir do que a Caatinga oferece”.

A transição energética é o segundo fator destacado por Piva: “o Nordeste é responsável por 85% da energia renovável produzida no Brasil. Somos o centro do novo modelo de produção energética do País, o que nos coloca em diálogo direto com a agenda climática global”.

Por último, o representante do Consórcio Nordeste enfatiza a atuação conjunta entre os Estados nordestinos. Isso porque, segundo ele, o Nordeste fala em unidade para o Brasil e para o mundo: “estamos articulando ciência, saberes tradicionais e políticas públicas dentro de uma agenda climática internacional. Também temos investido em diplomacia. Recentemente estivemos na China e em países árabes apresentando nossa pauta de transformação ecológica”.

Contribuições para a Caatinga

As organizações, redes, povos e comunidades do Semiárido brasileiro também apresentaram uma Carta para somar às contribuições desenvolvidas durante a ICID III. Intitulado como Carta da Sociedade Civil da Caatinga, o documento enfatiza que a justiça climática no Semiárido é essencial para que haja justiça climática global. O documento traz à luz os problemas do modelo econômico atual e o classifica como predatório e incapaz de responder à crise climática. Além disso, a carta defende o protagonismo das comunidades tradicionais, a agroecologia, a economia solidária, a governança social e a valorização dos saberes tradicionais e científicos.

A Carta da Sociedade Civil da Caatinga, assinada por 27 instituições, destaca como objetivos a defesa da justiça climática e socioambiental para povos e comunidades tradicionais, juventudes, mulheres e agricultores familiares. O documento propõe a Agroecologia como política de Estado, o fortalecimento da segurança hídrica e alimentar por meio de tecnologias sociais, a transição energética justa e descentralizada, a economia solidária e bioeconomia da Caatinga, além da proteção territorial e do acesso a financiamento sem grandes burocracia  para comunidades e organizações locais.

O documento reivindica um Programa de Proteção e Revitalização da Caatinga; a criação do Programa “Um Milhão de Tetos Solares” para gerar energia limpa em comunidades; a destinação de 50% dos recursos climáticos e do Plano Safra à agroecologia e à agricultura familiar; o desenvolvimento de uma carteira de Crédito de Carbono Integral e a garantia de que fundos internacionais sejam acessíveis às comunidades. Também propõe metas até 2030, como restaurar 100 mil hectares por ano, universalizar o acesso à água segura e instalar 1 milhão de telhados solares.

A Carta traz uma atenção especial para a desmistificação da imagem do Semiárido, que não deve ser visto como território de escassez, mas de abundância cultural e de saberes, e convoca governos, organizações internacionais e a sociedade a se unirem à luta da Caatinga por um futuro justo, sustentável e vivo.

Desdobramentos da
ICID III e COP Nordeste

Os cinco dias de evento reuniram diversas instituições engajadas na pauta climática e resultaram em documentos que concentram informações, diretrizes, recomendações, soluções, compromissos e ideias que servirão de base para as discussões que ocorrerão em novembro  durante a COP30, em Belém do Pará.

“Nós vamos levar à COP30 os documentos produzidos aqui, e esperamos que eles realmente ajudem as Nações Unidas, os governos e os países a darem mais atenção às regiões semiáridas”, destacou o economista Antônio Rocha Magalhães, ex-secretário de Planejamento do Ceará e do Ministério do Planejamento e diretor das três conferências (1992, 2010 e 2025).

Antônio Rocha Magalhães destaca o fortalecimento de estratégias para a convivência com a seca como uma forma de se preparar para o enfrentamento das mudanças climáticas em regiões semiáridas: “as secas provavelmente serão mais frequentes, e precisamos reduzir seus impactos. Ao fortalecer a capacidade de lidar com a seca, também estamos preparando o Estado para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, com exceção de questões específicas como a elevação do nível do mar.

A expectativa é que as discussões da ICID III incorporem perspectivas de desenvolvimento sustentável e justiça climática, especialmente em relação à inclusão das populações mais vulneráveis.

Na foto, um homem idoso de cabelos totalmente brancos aparece em pé, falando ao microfone. Ele veste uma camisa social branca, usa óculos de armação escura e mantém uma expressão serena e confiante enquanto se dirige ao público. Atrás dele, no painel, aparecem as palavras “ICID 2025 – 3ª Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas”, junto com parte do logotipo do evento
Antônio Rocha Magalhães enfatiza a importância do fortalecimento de estratégias para a convivência com a seca como uma forma de se preparar para o enfrentamento das mudanças climáticas em regiões semiáridas | Foto: Isabelli Fernandes

“Estamos recomendando que cada região seca elabore um plano de desenvolvimento sustentável. Esse conceito tem quatro dimensões: social – no que diz respeito ao combate às desigualdades e à pobreza; econômico – de modo a fortalecer as atividades produtivas locais; ambiental – por meio da preservação e recuperação das áreas degradadas; e política-institucional – para fortalecer as instituições e políticas públicas, tanto nacionais quanto universais. Defendemos que essas ações sejam propostas pelas próprias regiões e recebam apoio financeiro das instituições internacionais”, finaliza.

Conferência Internacional

A ICID III foi um evento realizado em parceria com o Governo do Ceará, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma instituição vinculada ao governo federal que apoia a formulação de políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação para a promoção de estudos estratégicos, análises de cenários e apoio técnico a programas e projetos de interesse nacional. A parceria fortalece a presença das regiões áridas e semiáridas nas discussões globais sobre clima e desenvolvimento sustentável. Inserida na programação da ICID III ocorreu também a COP Nordeste. Contou com a presença de pesquisadores e gestores públicos do Brasil, Marrocos e França, entre outros.

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