Este conteúdo faz parte da série sobre o potencial da Caatinga no enfrentamento da crise climática e mostra como o protagonismo feminino é caminho para mais força no campo

“Nós colocamos comida na mesa do advogado, do enfermeiro, do médico, de qualquer pessoa”. Amanda Alves, 31 anos, agricultora familiar, sabe da importância do trabalho que hoje exerce com orgulho. E ela não está só, integra a Associação de Mulheres da Agricultura Familiar do Sítio Carneirinho, coletivo que ajudou a fundar com a mãe e que conta atualmente com 32 associadas em Caruaru, semiárido pernambucano. Em comum, a busca por melhoria de vida, já que muitas não tinham autonomia financeira e trabalhavam em uma rotina exaustiva na indústria têxtil da região, recebendo quase nada por peça: cerca de R$1,20. Mas isso ficou no passado.
Agora, esse coletivo feminino se destaca quando o assunto é produção agroecológica com comercialização garantida para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Governo Federal. Além do frango de corte para a merenda, a Associação produz carne bovina, hortaliças, macaxeira, milho, jerimum e pimentão, por exemplo. Só de melancia, 15 mil quilos vão para o PNAE todo mês.
Os produtos que não estão nas compras públicas costumam ser levados para a Feira da Agricultura Familiar de Caruaru. Tudo é agroecológico, em meio à Caatinga. Assim essas mulheres conseguem gerar renda, melhorar a vida da família e levar adiante alimentos saudáveis, sem agrotóxicos. “A gente não utiliza nenhum tipo de veneno. Tem o esterco do gado, da cabra e das aves. Todo aquele material a gente aproveita dentro da área de produção para fortalecer a terra. A gente também recolhe folhas secas, capim, folhas de bananeira para fazer a cobertura do solo”, conta a agricultora. Essa boa prática ajuda a manter a água no solo por mais tempo, com recursos do próprio bioma.
Mais conhecimento e direitos

A motivação para deixar as agulhas de lado e criar a Associação “era empoderar as mulheres, trazê-las para o protagonismo na zona rural, porque sempre foi a gente que pegou o fardo maior, sempre era a mulher que saía para carregar água na cabeça, a mulher também ajudava o homem na área de produção, e aí quando recebia o dinheiro, sempre ficava para ele”, conta Amanda.
A autonomia ganhou força com o conhecimento: “a assistência técnica deveria ser uma política pública prioritária para a agricultura familiar. Ela dá um norte de produção” reforça. E para além dos saberes no campo por meio de capacitação, as mulheres da Associação, registrada oficialmente em 2023, passaram a entender, segundo conta, que a violência feminina vai além da agressão física e é algo que precisa ser combatido. O trabalho digno, que remunera e faz crescer, ajuda muito.
Edivânia da Silva, de 25 anos, irmã de Amanda, concorda. Depois de sete anos costurando em uma rotina de exploração, que durava o dia inteiro, sem folgas, ela conseguiu mudar de vida: “com a Associação, a gente aprendeu mais sobre os nossos direitos. Antes a gente não sabia. Hoje a gente tem direito de fornecer, tem uma vida melhor, porque antes a gente não podia fazer um passeio, não tinha renda.”
O que também faz diferença é a presença de tecnologias sociais e a adoção de boas práticas, aproveitando a própria natureza, de forma sustentável. Edivânia conta que agora tem cisterna, e deixou para trás o passado de longas caminhadas para buscar água. “Quase toda a comunidade tem cisternas hoje”, afirma.
Quando o inverno é bom, dá para juntar muita água e plantar mais. O ritmo de plantação varia e o uso racional da água é uma rotina. É preciso equilibrar tudo, o que envolve ainda os animais, que também precisam de água.
Autonomia e autoestima
Ao contrário de Edivânia, Luana Daniella, de 30 anos, não trabalhou para a indústria têxtil, mas também viu sua vida melhorar com a Associação: “mudou completamente a vida da gente. Eu era dona de casa, sem renda, dependente do marido. Com o trabalho e as tecnologias sociais, descobrimos também as riquezas da própria Caatinga.”
Fazendo um balanço de quase três anos de Associação, Amanda conta que, se antigamente o caminho dessas mulheres era não trabalhar ou costurar, agora a realidade é outra. Entre as boas práticas para prosperar com as atividades de forma sustentável cita os cuidados com o solo, a diversificação produtiva e a produção sem veneno. Mirando o futuro, diz que quer muito ter um sistema de reúso de água.
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Da indústria têxtil à associação
Caruaru e região se firmaram como pólo têxtil em Pernambuco na década de 1990. Com indústrias de roupas procurando mão de obra, não faltou gente para prestar serviço. Mas, o que começou como oportunidade, foi se mostrando insustentável com o passar do tempo.
Amanda e a mãe, Rizonia, nunca deixaram a agricultura. Entre os anos de 2018 e 2019, reuniram cerca de 20 mulheres na comunidade para uma ação da Secretaria da Mulher de Caruaru. Dessa iniciativa surgiu uma horta mandala no Sítio e a percepção de que, unidas, poderiam gerar renda a partir de um novo olhar sobre o campo. Esse foi o embrião da Associação, que nasceu anos depois, em 2023, com 12 mulheres e muitos sonhos.
Hoje, essas mulheres têm mais tempo para si e para a família, o descanso e o lazer. Se alimentam melhor, produzem com propósito e fortalecem a comunidade por meio do coletivo.
*Essa foi uma das experiências visitadas durante a participação da Eco Nordeste na Caatinga Climate Week, evento realizado pelo Centro Sabiá e pelo Instituto Socioambiental.