Foto colorida de área aberta e solo argiloso e desértico tendo ao longe uma ilha de vegetação e acima o céu de azul intenso
Nos últimos seis anos o Cerrado perdeu 5 milhões de hectares de vegetação nativa, 72% no Matopiba | Foto: Eduardo Cunha

O Matopiba, território considerado maior fronteira agrícola brasileira, abrange 377 municípios em três estados do Nordeste e um do Norte. Com 135 municípios no Maranhão; 139 no Tocantins; 33 no Piauí; e 30 na Bahia, a região tem sido alvo de um intenso processo de transformação territorial desde a década de 1980. O avanço da agricultura, principalmente para o cultivo de soja, milho e algodão, levou à supressão da vegetação nativa, o que tem resultado em impactos significativos no meio ambiente.

Para se ter uma ideia, um estudo recente do MapBiomas Brasil, que inclui o Instituto de Pesquisa Ambiental (Ipam), revelou que nos últimos seis anos, o Cerrado perdeu 5 milhões de hectares de vegetação nativa, sendo 72% dessa perda concentrada nos estados do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde a divisa agrícola abriga 47,8% da vegetação remanescente e é o principal foco de desmatamento, com todos os estados apresentando pelo menos um município com mais de 30% de perda de vegetação nativa entre 2008 e 2023.

Entre os maiores municípios em área do Matopiba, Formoso do Araguaia (TO) se destaca com 13.423,256 km²; seguido por Balsas (MA) com 13.141,162 km²; Uruçuí (PI) com 8.413,016 km²; e Formosa do Rio Preto (BA) com 16.186 km². Juntos, esses quatro municípios ocupam uma área equivalente à do Estado do Rio Grande do Norte, o que ilustra a vastidão e a importância econômica da região.

Para garantir a diminuição, fiscalização e controle dos impactos causados pelo agronegócio na região, assim como a recomendação do reflorestamento em áreas degradadas, os municípios contam com leis orgânicas que devem prever medidas mitigadoras dos impactos causados pelo agronegócio. Essas leis funcionam como “constituições” municipais, que definem direitos e deveres da administração pública e da sociedade. A fim de entender e expor como as leis locais abordam o reflorestamento, a Eco Nordeste analisou as Leis Orgânicas dos municípios campeões estaduais do desmatamento:

  • Balsas (MA): A Lei Orgânica destaca que “compete ao Município preservar as florestas, a fauna, a flora e incentivar o reflorestamento”,  estabelecendo um compromisso claro com a proteção ambiental.
  • Formoso do Araguaia (TO): A legislação prevê a criação de “mecanismos de fomento e preservação para o reflorestamento com essências nativas que ocorrem na região para suprir a carência de vegetação em áreas de nascentes e ao longo de mananciais, bem como com a finalidade de suprir a demanda de produtos lenhosos e de minimizar o impacto da exploração dos adensamentos vegetais nativos” 
  • Uruçuí (PI): Embora não mencione diretamente o reflorestamento, a Lei Orgânica estabelece a responsabilidade do município em “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”
  • Formosa do Rio Preto (BA): A legislação municipal incumbe ao poder público promover o “inventário e o mapeamento da cobertura vegetal nativa e dos rios, córregos e riachos, componentes das bacias hidrográficas do Município, visando a adoção de medidas especiais de proteção, bem como promover o reflorestamento, em especial, das margens dos rios, visando a sua perenidade.”
Foto colorida de trator amarelo tipo retroescavadeira remoevendo vegetação rasteira sob o céu de um azul intenso
Cerrado é destruído para produção de commodities como soja e milho destinadas no exteiror à indústria alimentícia e de ração animal | Foto: Eduardo Cunha

Conhecer essas leis é essencial para que a população possa cobrar ações efetivas das prefeituras, busque políticas públicas que visem reparar os danos ambientais provocados pela expansão agrícola no Matopiba. A integração entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental é fundamental para garantir um futuro sustentável para essa rica região.

Com um olhar atento para a legislação e as práticas de reflorestamento, os municípios do Matopiba podem trilhar um caminho mais equilibrado, promover a conservação da biodiversidade e a recuperação de áreas degradadas, beneficiar tanto o meio ambiente quanto a qualidade de vida das comunidades locais.

Mário Barroso, coordenador de monitoramento da The Nature Conservancy  (TNC Brasil), pondera que para que a restauração ambiental ocorra em grande escala e tenha o impacto desejado, é fundamental considerar dois aspectos principais: “o primeiro é o engajamento dos proprietários, que devem se comprometer a reverter os passivos ambientais e realizar a restauração. O segundo aspecto refere-se às condições técnicas necessárias para que aqueles interessados em realizar a restauração tenham acesso a insumos, financiamento e recursos adequados”.

Barroso também destaca que a restauração não é uma atividade isenta de custos e que, mesmo ações mais passivas, como a espera pela regeneração natural da vegetação do Cerrado, exigem investimentos, como cercamento das áreas para evitar a entrada de animais, instalação de postes e arames, e controle de fogo para prevenir incêndios que possam prejudicar o processo de restauração.

“Portanto, é crucial dispor de recursos para atender a essa demanda, incluindo a oferta de sementes, mudas e apoio técnico. Além disso, políticas públicas favoráveis são essenciais para promover a restauração em grande escala. Em resumo, precisamos garantir o engajamento dos proprietários, condições técnicas adequadas, financiamento e apoio governamental para que a restauração ambiental seja bem-sucedida”, destaca.

Foto colorida de estrada de barro ladeada por vegetação esparsa com dezenas de placas indicativas de fazendas localizadas na região
Desde a década de 1980 fazendas se instalam no Cerrado, e formam a maior fronteira agrícola do País | Foto: Eduardo Cunha

Com relação ao início da restauração, Barroso ressalta que cerca de 90% das terras do Cerrado são privadas, o que apresenta uma oportunidade para utilizar o Código Florestal na identificação de áreas prioritárias para a restauração. “Essa legislação já estabelece diretrizes para a ação de restauração, independentemente da vontade do proprietário”, explica.

“Além disso, análises realizadas com dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), que reúne informações das declarações dos proprietários, e do MapBiomas,  revelam que há mais de 3 milhões de hectares que devem ser obrigatoriamente restaurados devido às exigências do Código Florestal. Considero que a principal razão para a restauração ecológica é garantir os serviços ecossistêmicos. No Cerrado, esses serviços incluem a oferta de água, biodiversidade e a manutenção de carbono na vegetação. Para maximizar esses serviços, é importante identificar as melhores regiões para a restauração”. 

E completa: “um aspecto fundamental é a oferta de água. Sabemos que a água que brota nas nascentes vem da chuva que infiltra e chega aos reservatórios subterrâneos, chamados aquíferos. Existem áreas especiais, conhecidas como áreas de recarga, que são essenciais para essa infiltração. Se mantivermos vegetação natural nessas áreas de recarga, a infiltração se torna mais eficiente, resultando em aquíferos mais cheios.”

Barroso destaca ainda que deve-se buscar áreas de restauração que ajudem a manter a biodiversidade na paisagem. Isso envolve reconectar fragmentos de vegetação e aumentar os remanescentes de vegetação natural. Todas essas ações contribuem para a manutenção da biodiversidade e a recuperação dos serviços ecossistêmicos da vegetação natural, com destaque para a importância da restauração.

 

Foto aérea colorida de área aberta com morro coberto de vegetação tendo o topo desmatado e acima o céu azul sem nuvens
Os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que integram o Matopiba, concentram 72% da perda de vegetação do Cerrado | Foto: Eduardo Cunha

Projeto ma.to.pi.ba.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Sendo reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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