Por Verônica Falcão
Colaboradora
Coletar dados sobre a ecologia do pargo e conhecer melhor o ecossistema onde vive o peixe, além de seu contexto de uso, foram os objetivos de expedição científica recente realizada ao largo da costa do Maranhão. A partir dos resultados obtidos, os cientistas pretendem fornecer subsídios para a gestão pesqueira da espécie, em risco de extinção. Durante o cruzeiro de pesquisa foi feito o primeiro registro do peixe-leão no Estado e também um recorde para o Brasil: o animal invasor estava a 70 metros de profundidade, conforme imagens feitas por câmeras subaquáticas.
A pesca do pargo tem sido historicamente uma das mais importantes da área marinha nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. No entanto, sofreu colapso devido a sucessivos declínios populacionais durante as últimas três décadas, o que levou à sua classificação como vulnerável à extinção pelos critérios da lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
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O cruzeiro do Navio de Ensino e Pesquisa Ciências do Mar II contou com pesquisadores de várias instituições do País. A expedição reuniu integrantes das Universidades Federais de Pernambuco (UFPE) e do Maranhão (UFMA); Federal Rural da Amazônia (UFRA); Estadual do Maranhão (UEMA) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e ainda do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene) / Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Teve como chefe o professor Mauro Maida, do Departamento de Oceanografia da UFPE.
A organização ficou a cargo da UFMA, em parceria com o Programa RepensaPesca (Projeto Avaliação Ecossistêmica dos Recursos Pesqueiros Demersais e Pelágicos das Costas Norte e Nordeste: subsídios para um ordenamento pesqueiro sustentável), que atende à Chamada MCTI/MPA/CNPq Nº 22/2015 – Ordenamento da Pesca Marinha Brasileira.
O Ciências do Mar II deixou a Baía de São Marcos dia 19 de maio, retornando após cerca de 300 milhas náuticas de navegação. Durante o cruzeiro, foi observada intensa atividade de pesca artesanal na região, inclusive com barcos à vela.
A expedição resultou em aproximadamente 200 horas de imagens de vídeo subaquático com o uso de towed câmeras. O professor Mauro Maida é o responsável pela construção e operação dessas câmeras que transmitem para a embarcação as imagens do fundo em tempo real.
As imagens mostram recifes mesofóticos (que se encontram à meia-luz, uma vez que a radiação solar penetra no mar até 130 a 140 metros de profundidade) de grande diversidade, com presença de esponjas, corais, algas, além de diversas espécies de peixes. Mauro Maida comenta sobre as observações realizadas na plataforma Maranhense: “Encontramos um recife mesofótico muito rico a cerca de 90 milhas náuticas de São Luís, em profundidades que variaram entre 66 e 79 metros, próximo da quebra da plataforma continental.”
Para ele, trata-se de um recife construído com uma expressiva cobertura viva dos corais verdadeiros – Agaricia fragilis, Montastrea cavernosa – e de rodolitos (algas que formam estruturas semelhantes a recifes de coral) bem desenvolvidos. “Vimos grande variedade de esponjas, corais negros, gorgônias e toda a ictiofauna associada a recifes de corais rasos e mesofóticos, como garoupas (serranídeos), peixes herbívoros, peixes ornamentais e peixes vermelhos (lutjanídeos), incluindo o pargo-verdadeiro, espécie-alvo da expedição”, descreve.
Na opinião do professor da UFPE, possivelmente toda a borda da plataforma continental do Maranhão é repleta desses recifes ainda desconhecidos, que compõem o Mega Ecossistema Recifal Mesofótico do Norte-Nordeste do Brasil. “Estendem-se pela cadeia de montes oceânicos de Fernando de Noronha, dos bancos oceânicos do Ceará e de toda a plataforma continental nordestina, ecossistema que ainda é um grande repositório da biodiversidade marinha brasileira”, diz Mauro Maida.
Foram também coletadas amostras de água e do substrato do fundo do mar e exemplares oriundos de pesca científica e praticada por barcos de pesca artesanal registrados na área. Dos pargos, os pesquisadores querem obter informações sobre a ecologia e os habitats onde vivem, obter parâmetros populacionais como tamanho e peso, além de conhecer o ciclo de vida, como com que idade começam a se reproduzir, como se distribuem e quantos tempo de vida têm os que são encontrados na área estudada.
A coordenadora do RepensaPesca, professora Beatrice Padovani Ferreira, do Departamento de Oceanografia da UFPE, explica por que é importante entender a dinâmica espaço-temporal da espécie. “A exploração sustentável exige que se saiba quais as consequências de nossas remoções sobre as populações e sobre a própria pesca. Só podemos entender estas consequências enxergando como as populações interagem com a paisagem marinha ao longo de seu ciclo e como são afetadas pela pesca durante esta trajetória.”
O coordenador do Cepene/ICMBio, Leonardo Messias, que também participou da expedição, considera que os resultados podem se somar ao Plano de Recuperação do Pargo, elaborado em 2018 e em revisão por um grupo de trabalho.
O oceanógrafo acredita que medidas como a criação de áreas marinhas protegidas, monitoramento permanente das áreas e dos barcos de pesca, cadastro de pescadores autorizados e fiscalização precisam ser cumpridas para garantir a manutenção do pargo como recurso pesqueiro.
“Nesse contexto, os resultados do cruzeiro ao Maranhão vão auxiliar o grupo de trabalho interinstitucional que reúne ministérios, universidades, ONGs, Ibama e ICMBio a revisar as ações do Plano de Recuperação do Pargo e torná-lo mais efetivo”, considera o coordenador do Cepene/ICMBio.
O professor Danilo Francisco Corrêa Lopes, do Departamento de Engenharia de Pesca da UFMA e organizador da expedição, destaca a importância da parceria entre a UFMA, o Projeto RepensaPesca (UFPE) e as demais instituições participantes do cruzeiro científico. “Irá oportunizar aos pesquisadores (docentes, técnicos e discentes) do curso de Engenharia de Pesca da UFMA a participarem de ações estratégicas voltadas à preservação do pargo e outras espécies de importância econômica e ecológica, bem como na obtenção de informações relevantes para o desenvolvimento sustentável da Margem Equatorial Brasileira.”
Peixe-leão
Espécie invasora e venenosa, o peixe-leão já foi avistado no Nordeste brasileiro ao menos em dois locais: Fernando de Noronha, a 23 metros de profundidade, e no Ceará, em currais de pesca com 3 a 4 metros de profundidade. O recorde da ocorrência a 70 metros de profundidade tem outra peculiaridade: o animal foi filmado, e não fotografado, durante o cruzeiro do navio Ciências do Mar II, no fim de maio.
Natural da Ásia e cultivado como peixe ornamental, o exuberante peixe-leão alcançou o Oceano Atlântico a partir do Caribe. Enquanto alguns cientistas acreditam que tenha sido descartado por aquaristas, outros dizem que chegou no mar após o furacão Andrew ter devastado a Flórida (EUA), em 1992.
O certo é que, sem os predadores naturais do Oceano Índico, o peixe-leão está se reproduzindo no Atlântico e representa uma ameaça às espécies nativas. Voraz, se alimenta de muitas espécies de peixes pequenos e juvenis de peixe de grande porte. Uma fêmea pode expelir até 30 mil ovos.
A expedição encontrou três peixes-leões. Eles tinham cerca de 20 centímetros de comprimento. Estavam parados no fundo do mar, aparentemente à espera de uma presa.
“A princípio pensei que fosse um lírio ou uma samambaia-do-mar. Mas, ao examinar melhor as imagens, identifiquei que era o peixe-leão”, descreve o oceanógrafo da UFPE Mauro Maida.
As imagens são do sistema de câmeras Sassanga, o mesmo que faz o videomonitoramento da Área de Proteção Ambiental (APA) Federal Costa dos Corais, entre Pernambuco e Alagoas. A tecnologia, que permite gravar no fundo do mar sem a presença de um mergulhador, é fruto de uma parceria entre a UFPE e o Cepene/ICMBio.
Outra surpresa da expedição científica foi um grupo de quatro golfinhos do gênero Tursiops, chamado comumente de golfinho-nariz-de-garrafa próximo a uma área recifal.
O achado dos peixes-leões está sendo reportado ao ICMBio, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), pela coordenação do cruzeiro científico.
O cruzeiro
Com 32 metros de casco (comprimento inferior do navio), o Ciências do Mar II é operado pela UFMA, que recebeu a embarcação de ensino e pesquisa em 2018 dos Ministério da Educação e da Marinha do Brasil. O navio oceanográfico tem autonomia para 12 dias no mar. O cruzeiro contou com 22 pessoas a bordo, entre pesquisadores, alunos dos cursos de Engenharia de Pesca e de Oceanografia, tripulantes e pessoal de apoio à pesquisa.