Apenas 5% dos rios monitorados na Mata Atlântica estão com água boa

Em se tratando de Nordeste, a maioria dos pontos onde houve a avaliação do IQA a média foi regular. Mas foi dessa região o único resultado péssimo no País, no Rio Tramandaí, em Aracaju (SE).

Rio Tramandaí, em Aracaju (SE) foi o único manancial monitorado resultado “péssimo”

Aracaju – AL. A qualidade regular da água em 78,8% dos pontos monitorados preocupa especialistas diante do cenário atual de eventos climáticos extremos e de saúde pública, que demandam a existência mananciais com água boa. Rios com essa qualidade chegam a apenas 5% dos pontos analisados.

Neste Dia Mundial da Água (22 de março), a Fundação SOS Mata Atlântica chama a atenção para a condição ambiental dos rios e apresenta o “Retrato da Qualidade da Água nas Bacias Hidrográficas da Mata Atlântica“. O relatório apresenta um panorama sobre a qualidade da água de 180 trechos de corpos d’água brasileiros no ciclo hidrológico de março de 2019 a fevereiro de 2020.

O estudo faz um alerta para a urgente necessidade de ações e investimentos voltados à segurança hídrica e socioambiental no Brasil, por meio da universalização do saneamento básico integrado à ampliação dos espaços de participação social e a adoção de soluções baseadas na natureza, com a conservação dos ecossistemas e recuperação de florestas nativas.

Os indicadores de qualidade da água reunidos no estudo foram obtidos graças ao trabalho voluntário de 3.500 pessoas integrantes de 199 grupos de monitoramento do Projeto Observando os Rios, patrocinado pela Ypê e com apoio da Sompo Seguros. Ao longo de 12 meses deste ciclo de monitoramento, grupos de voluntários coletaram e analisaram a qualidade da água de 181 trechos de rios e corpos d’água, distribuídos em 240 pontos de coleta, em 95 municípios dos 17 estados abrangidos pelo bioma Mata Atlântica e do Distrito Federal, com acompanhamento e supervisão técnica da Fundação SOS Mata Atlântica.

Desse universo de amostragem, 189 pontos analisados (78,8%) apresentaram índice de qualidade de água regular. Em 38 pontos (15,8%), a qualidade é ruim e, em um único ponto (0,4%), péssima. Somente 12 pontos (5%) apresentam qualidade boa na média do ciclo de 12 meses e nenhum dos rios e corpos d’água tem qualidade ótima. Ou seja, 95% dos pontos monitorados apresentam qualidade da água longe do que a sociedade quer e necessita para os rios.

Em se tratando de Nordeste, na maioria dos pontos onde houve a avaliação do Índice de Qualidade da Água (IQA), a média foi regular. Mas foi dessa região o único resultado “péssimo” no País, no Rio Tramandaí, em Aracaju (SE). Os únicos mananciais com avaliação boa na região foram o Rio Coruripe, em Coruripe (AL) e a Lagoa do Flamengo, em Salvador (BA).

Na categoria ruim foram cinco pontos no Nordeste, sendo três na Bahia: Rio Catu – Montante, em Alagoinhas; e os rios Cachoeirinha e Camarujipe, em Salvador. Os outros dois foram o Rio Capibaribe, em Recife (PE) e Rio Poxim, em São Cristóvão (SE).

O Rio Tramandaí, que fica na capital sergipana, tem uma parte canalizada

Na comparação com o período anterior houve uma queda de 3% (17,5% / 14,5%) no índice ruim – de 35 para 29 pontos –, fazendo com que os pontos em situação regular passassem de 76,5% para 79,5%. Os dados comparativos que indicam a evolução da qualidade da água são realizados com base nos resultados obtidos em 200 pontos fixos de monitoramento e não do total de 240 monitorados, pois a análise teve como base as séries históricas e recorrentes.

O resultado estável na condição regular é muito preocupante diante do cenário atual de eventos climáticos extremos, que demandariam a existência de rios com qualidade de água boa na média do período, para enfrentamento das variações drásticas de clima e vazões que interferem diretamente na qualidade e na disponibilidade de água.

“Apesar destas movimentações, é necessário destacar que a situação da água do Brasil não vem melhorando de forma considerável nos últimos anos. Os esforços despendidos não têm apresentado grandes resultados. Há alguns exemplos distribuídos pelo País, como demonstram esses dados, e que devem ser usados como modelo, reforçando que, quando há um investimento contínuo e bem planejado, é possível sucesso. Mas no geral, precisamos acender a luz amarela. Todo ano falamos que nossos rios estão na UTI e se não houver ações que tratem da gestão integrada da água como elemento de cooperação e sustentabilidade e, sobretudo, de inclusão e participação ativa nos espaços de tomada de decisão, o cenário pode piorar”, afirma Malu Ribeiro, gerente da causa Água Limpa, da Fundação SOS Mata Atlântica.

Alem disso, a qualidade de água péssima e ruim obtida em 16,3% dos pontos monitorados evidencia que 39 trechos de rios estão indisponíveis – com água imprópria para usos – por conta da poluição e da precária condição ambiental das suas bacias hidrográficas. Essa inadequada condição ambiental gera problemas de saúde pública e agrava cenários de escassez e insegurança hídrica.

Os dados comparativos nos estados ainda apontam que a qualidade de água boa foi obtida na média em 11 pontos de coleta, conforme o que segue: um em Alagoas, no Rio Coruripe, na cidade de mesmo nome; um na Bahia, na Lagoa do Flamengo, em Salvador; três no Espírito Santo: na Lagoa dos Monsarás e Rio das Pedras, em Linhares; no Córrego Cupido, em Sooretama; três em Goiás: no Córrego Água Limpa e em dois pontos no Rio Corumbá, todos no município de Água Limpa; em Mato Grosso do Sul, um ponto no Córrego Campina, em Bodoquena; em São Paulo, em dois pontos, no Córrego Água Preta, no bairro Pompéia na Capital e no Rio Piraí, em Salto.

Os indicadores estáveis ao longo do ciclo, com manutenção da qualidade boa da água nos períodos de chuva e seca refletem a importância da conservação da floresta natural e das matas ciliares para perenidade dos recursos hídricos. Essa agenda deve ser prioritária, considerando que grande parte da população brasileira vive nos domínios do bioma Mata Atlântica. Todos esses pontos de coleta estão localizados em áreas com a presença de floresta nativa e demonstram também importantes ações de voluntários pela melhora da qualidade da água dos rios, beneficiando toda a sociedade.

“A metodologia do Observando os Rios permite agregar a percepção da sociedade aos parâmetros físicos, químicos e biológicos avaliados no IQA. Agora, os voluntários oferecem sua contribuição para a sociedade, tendo suas vozes reunidas neste relatório”, afirma Romilda Roncatti, coordenadora do projeto Observando os Rios.

Dessa forma, o projeto instrumentaliza e empodera os cidadãos para atuar e propor o aprimoramento das políticas públicas que impactam na gestão da água. Os grupos de monitoramento são formados por cidadãos representantes de diferentes instituições, como escolas, universidades, comunidades tradicionais, indígenas, ONGs, movimentos sociais, grupos informais e comunitários, escoteiros, órgãos públicos e privados.

Os dados do IQA reunidos no relatório foram elaborados com base na legislação vigente e em seus respectivos protocolos de coleta e medição. Os parâmetros do IQA foram escolhidos por especialistas e técnicos como os mais relevantes para avaliação das águas doces brutas destinadas ao abastecimento público e aos usos múltiplos.

A totalização dos indicadores medidos resulta na classificação da qualidade da água, em uma escala que varia entre: ótima, boa, regular, ruim e péssima. O IQA, adaptado do índice desenvolvido pela National Sanitation Foundation, dos Estados Unidos, é obtido por meio da soma de parâmetros físicos, químicos e biológicos encontrados nas amostras de água.

“Para que os indicadores aqui reunidos possam ser traduzidos em metas progressivas de qualidade da água nos milhares de rios e mananciais das nossas bacias hidrográficas na Mata Atlântica, é necessário fortalecer as políticas públicas de meio ambiente e água, além de reforçar a urgente necessidade de incluir a água na agenda estratégica do Brasil”, afirma Gustavo Veronesi, coordenador técnico do projeto Observando os Rios.

Fundação SOS Mata Atlântica

A Fundação SOS Mata Atlântica é uma ONG ambiental brasileira criada em 1986 para inspirar a sociedade na defesa da floresta mais ameaçada do Brasil. Atua na promoção de políticas públicas para a conservação da Mata Atlântica por meio do monitoramento do bioma, produção de estudos, projetos demonstrativos, diálogo com setores públicos e privados, aprimoramento da legislação ambiental, comunicação e engajamento da sociedade em prol da restauração da floresta, valorização dos parques e reservas, água limpa e proteção do mar. Os projetos e campanhas da ONG dependem da ajuda de pessoas e empresas para continuar a existir. Saiba como você pode ajudar em www.sosma.org.br.

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