A Reserva Natural Serra das Almas é um paraíso para observadores de pássaros

Pássaro pequeno de penas verdes cintilantes e bico vermelho pontudo pousado na vegetação

Besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostilbon lucidus) | Foto: Fábio Nunes

Por Alice Sales
Colaboradora

Crateús (CE) / Buriti dos Montes (PI)Em poucos passos de caminhada, nos primeiros metros das trilhas da Reserva do Patrimônio Natural (RPPN) Serra das Almas já é possível avistar e ouvir diferentes espécies de aves que habitam a Caatinga. Uma variedade impressionante em vida livre que só é possível graças a um trabalho de mais de 20 anos que a Associação Caatinga realiza para preservar essas matas que ficam entre Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI).

O lugar tem potencial para ser um dos favoritos dos observadores de aves justamente por ser um dos maiores redutos de Caatinga preservada do Ceará e por abrigar uma diversidade de fauna e flora, que salta aos olhos dos que caminham por qualquer uma das seis trilhas pertencentes à Reserva. Neste semestre, a RPPN sediou a 33° edição do Vem Passarinhar CE, um encontro de observadores de aves em um fim de semana dedicado às passarinhadas. A iniciativa foi uma ação da Associação Caatinga por meio do Projeto No Clima da Caatinga, patrocinado pela Petrobrás no âmbito do Programa Petrobrás Socioambiental e com o apoio do grupo Vem Passarinhar CE.

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O encontro teve como intuito colocar a Reserva no roteiro de observadores de aves em nível estadual, nacional e internacional. “Ao todo, a RPPN conta com mais de 230 espécies de aves catalogadas, dentre elas algumas ameaçadas de extinção ou raras de encontrar. O evento reuniu observadores de aves, guias de observação de pássaros e profissionais de outras áreas que tem esse hobby para estimular e divulgar a prática da observação de aves na Reserva Natural Serra das Almas e inseri-la nos roteiros desses grupos”, detalhou Samuel Portela, coordenador técnico da Associação Caatinga. 

Grupo de 21 pessoas reunidas vestidas com camisas de mangas longas de cor verde e calças na mesma tonalidade. Alguns estão sentados na calçada de um alpendre, a maioria está em pé

Observadores de aves reunidos no 33° Vem Passarinhar CE | Foto: Associação Caatinga

Durante os dois dias, o grupo percorreu as trilhas do Lajeiro, da Gameleira e dos Macacos e realizou saídas à noite em busca de aves noturnas. A trilha do lajeiro foi a primeira a ser percorrida. O caminho de 1,5 km cruza o Riacho Melancias no início e conta com uma paisagem repleta de espécies de plantas endêmicas da Caatinga floridas nesta época do ano.

Durante todo o percurso, foi possível observar inúmeras espécies de aves, mas para mim, a repórter passarinheira que vos escreve e que teve a satisfação de participar do encontro, o momento mais marcante foi chegar ao fim da trilha, onde há o lajeiro, que à essa hora estava banhado pela luz do sol poente. 

Luz alaranjada do pôr do sol sobre um chão de rochas cinza rodeado por vegetação de Caatinga

Lajeiro na Reserva Natural Serra das Almas | Foto: Alice Sales

O lajeiro é um afloramento rochoso composto por rochas areníticas e pequenas ilhas de vegetação, onde se encontram cactáceas como o xique-xique e o mandacaru, e bromeliáceas como a macambira. Não bastasse a paisagem fascinante, o lugar atrai espécies de beija-flor e de outras aves e por essa razão se tornou um dos pontos mais especiais durante o encontro para mim: repousava camuflado entre as flores de uma cactácea um beija flor-verde, de bico avermelhado, tão pequeno quanto meu dedo mindinho, pousado a poucos centímetros dos meus olhos. Era um besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostilbon lucidus), espécie já avistada por mim antes, mas nunca tão de perto, pousado em uma planta, como quem fazia pose e aguardava ser fotografado. 

E esse para mim é um dos grandes encantos da Serra das Almas: a sensação de que os animais parecem sentir-se tão protegidos que na presença de humanos a apenas centímetros de distância, em vez de voarem com medo, permanecem onde estão, à vontade e seguros em meio à natureza. A trilha do lajeiro também trouxe um momento marcante para Márcia Sidrim, que é oficial de justiça e observa aves desde 2016. 

“Quando eu estava na torre de observação que há no lajeiro, já no fim do pôr do sol, dois indivíduos da espécie bacurau-tesoura (Hydropsalis brasiliana) passaram voando junto à torre. Foi impressionante!”, relembra. 

Ave pequena de penas cinzas e marrons pousada em um lajeiro

bacurauzinho-da-caatinga (Nyctipolus hirundinaceus) | Foto: Manoel Augusto

Observador de aves há mais seis anos, o biólogo Werlyson Pinheiro, esteve pela primeira vez na Serra das Almas durante o encontro do Vem Passarinhar CE e considera que essa foi uma experiência maravilhosa. “É um lugar extremamente lindo e com uma diversidade de aves incrível, vi e ouvi algumas espécies pela primeira vez lá.”

Manoel Augusto é designer e já é veterano nas passarinhadas pela Serra das Almas. Essa foi a sua terceira vez e recomenda o lugar para a prática: “considero como minha segunda casa, lá me sinto muito acolhido. Os funcionários dão uma aula de hospitalidade. A fauna e flora da reserva é algo surreal. Em pouquíssimos passos nas trilhas nos deparamos com animais ameaçados de extinção como é o caso do grande bando de jacu-verdadeiro (Penélope jacucaca); e do raríssimo caburé- acanelado (Aegolius harrisii).”

Corujapequena com peito marrom, penas marrons escuras com pintas brancas no dorso e penas brancas na testa.

Caburé-acanelado (Aegolius harrisii) | Foto: Fábio Nunes

Marco Crozariol, biólogo e curador da coleção de aves do Museu de História Natural do Ceará Prof. Dias da Rocha, acredita na observação de aves como prática que estimula a conservação dos animais e destaca que as aves vêm sendo estudadas na Reserva há alguns anos e, ainda assim, foi possível encontrar novos registros para a área.

“Saber que determinadas espécies estão seguras dentro de uma Reserva é um aspecto importante para a conservação. Além disso, as passarinhadas frequentes permitem descobrir quando alguma espécie começa a diminuir sua população e medidas poderão ser tomadas para reverter isso. Fora que os observadores de aves querem os ambientes preservados para que possam encontrar suas espécies-alvo, e assim todos nós acabamos por nos tornar vigias e protetores dos ambientes naturais”, explica. 

Ele destaca ainda o potencial do lugar para a observação de outros animais, como mamíferos por exemplo: “a Reserva também é um ótimo local para observar mamíferos, alguns deles muito dificilmente vistos em outras localidades, como a jeritataca (Conepatus semistriatus) que constantemente aparece ao redor do alojamento à noite.”

Guia de Observação de aves

O encontro também foi um momento de divulgar o Guia de Observação da Reserva Natural Serra das Almas, lançado recentemente e que irá direcionar essa atividade diante das informações como as trilhas e quais bichos encontrar em cada uma delas. “É um livro que vem já pronto para um observador de aves chegar à Reserva e fazer um tour bem mais proveitoso”, destaca Portela. 

Em sua elaboração, o guia contou com uma pesquisa aprofundada por parte de cientistas da área da Ornitologia e contabilizou 230 espécies de aves nos territórios da Reserva, com a expectativa de que este número possa aumentar.

“O Guia de Aves da Reserva Natural Serra das Almas tem como objetivo gerar e difundir o conhecimento sobre as aves que ocorrem nessa importante região de Caatinga, despertar o interesse pela observação de aves e pela conservação da natureza. A riqueza de aves da Serra das Almas é relativamente bem conhecida. Muitos ornitólogos já fizeram levantamentos nessa área, o que facilita demais esse tipo de trabalho. Além do acréscimo de nove espécies, esse trabalho gerou dados importantes, não só para um guia de aves, mas para a gestão e conservação dessa UC”, resume Fábio Nunes, biólogo que esteve envolvido na elaboração do livro. 

Reserva Natural Serra das Almas

A Reserva Natural Serra das Almas (RNSA) é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e está localizada entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI). A RNSA é reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Caatinga, por abrigar uma representativa área de Caatinga preservada e pela sua interação com as 40 comunidades rurais do seu entorno. São 6.285 hectares de área protegida que resguardam três nascentes, espécies ameaçadas de extinção e que contribuem para a manutenção de serviços ambientais e ecossistêmicos.

Associação Caatinga

A Associação Caatinga (AC) foi fundada em 1998, com o apoio do Fundo Samuel Johnson com a missão de promover a conservação das terras, florestas e águas da Caatinga para garantir a permanência de todas as suas formas de vida. É uma entidade não governamental, sem fins lucrativos, que atua há 22 anos na conservação e valorização dessa floresta brasileira ameaçada e que concentra a maior biodiversidade entre as regiões semiáridas do Planeta.

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