Cisternas e energia solar se unem à Agroecologia no Piauí

Iniciativa é da Obra Kolping, parceira da Fundação Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Programa Cisternas

A imagem mostra uma cisterna de concreto em forma de cone achatado, parcialmente enterrada no chão, usada para armazenar água da chuva. Ao lado, há uma caixa d'água azul sobre uma coluna branca de concreto, cercada por vegetação do semiárido. na estrutura da cisterna foi instalada uma placa solar para geração de energia
O kit de bomba solar é instalado junto com as cisternas do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que faz parte do Programa Cisternas do governo federal e tem financiamento da Fundação Banco do Brasil e do BNDES | Foto: Almir Orsano/Obra Kolping PI

Há um ano, a agricultora Raimunda Juliana Coelho, 38, recebeu a notícia de que seu direito de acesso à água para produção de alimentos seria concretizado com a construção de um reservatório com capacidade para armazenar 52 mil litros. Com a alegria, porém, também veio a preocupação em relação à fatura de energia elétrica, que “aumentaria e muito por causa da bomba” necessária para retirar a água da tecnologia e irrigar a futura roça.

“Para quem só tem R$ 600 do Bolsa Família, mesmo com a tarifa de baixa renda a conta de energia é cara. A gente precisa da bomba para molhar as plantas e ter nossa produção, mas gastaria muito no fim do mês”, explica Raimunda, que mora com o marido e o filho na comunidade Trás da Serra, em São Francisco de Assis do Piauí (PI).

Diante dessa realidade, a Obra Kolping – organização social que faz parte da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) – construiu a cisterna-calçadão na propriedade de Raimunda e junto instalou um kit com bomba, placa fotovoltaica de 100 Watts e disjuntor. O sistema transforma a luz do sol em energia elétrica e permite acionar o equipamento para puxar a água da cisterna sem custo adicional para a família.

“Essa ideia da bomba solar foi uma bênção para nós. Hoje tenho goiaba, manga, limão, mamão, moringa, pimentão, pimentinha, alface, cenoura, tomate, cheiro verde, feijão e milho para consumo da família, fora a criação de galinhas, porcos, perus e cabras. Tudo graças à cisterna e sem pagar mais caro pela energia, só aproveitando o sol para puxar a água para a caixa, levar para o irrigador e molhar as plantas”, comemora Raimunda.

Uma mulher de expressão séria, vestindo camisa rosa com estampa de abacaxis e saia estampada, segura dois frutos amarelos nas mãos. Atrás dela, há uma cisterna de concreto em formato cônico, cercada por solo avermelhado e vegetação do semiárido
A agricultora Raimunda Juliana Coelho, 38, foi contemplada com o novo sistema e comemora a fartura em seu quintal | Foto: Almir Orsano/Obra Kolping PI

O kit de bomba solar está sendo instalado junto com as cisternas do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que faz parte do Programa Cisternas do governo federal e tem financiamento da Fundação Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na propriedade de 150 famílias. Além de moradores de São Francisco de Assis do Piauí como Raimunda, agricultores da zona rural do município de Betânia do Piauí (PI) também estão sendo beneficiados com a novidade.

“A gente ficou muito ansioso quando soube da chegada da cisterna de segunda água, porque água para produzir é muito importante para melhorar a nossa renda. Mas a minha cisterna, por exemplo, ficaria distante da casa, aí teria gasto com energia e com fio. Foi quando veio a novidade dessa placa solar que permite utilizar o produto que a gente mais tem que é o sol. Agora a gente só pensa em ampliar ainda mais a produção”, diz o agricultor Vicente Severino de Sousa, 39, que vive na comunidade do Sítio Vereda, em São Francisco de Assis do Piauí, com a esposa e três filhos.

Autonomia e convivência
com o Semiárido

De acordo com o coordenador estadual da Obra Kolping, Raimundo João, os kits foram adquiridos com recursos próprios da organização ao custo de R$ 1,3 mil cada. Esse modelo simplificado não dispõe de bateria, ou seja, não permite armazenar a energia elétrica.

O sistema, portanto, só pode ser usado durante o dia. O que não é um problema, já que o Estado está localizado no chamado “cinturão solar brasileiro” e tem uma irradiação média de 5,9 kWh/m² e cerca de 12 horas diárias de luz solar, o que supera a média do próprio Brasil.

Além de oferecer a infraestrutura para energia solar, a instituição vai promover, no segundo semestre deste ano, um curso gratuito para as famílias aprenderem a fazer a manutenção, sobretudo, do painel fotovoltaico que tem garantia de 25 anos.

“É um investimento muito importante, pois permite que a família tenha uma economia considerável ao não precisar utilizar a energia da casa nem comprar fiação. A bomba solar fica protegida ao lado da cisterna, aumenta a vazão permitindo a irrigação de áreas maiores e mais distantes da tecnologia, e com o curso os agricultores terão autonomia para cuidar do kit”, argumenta o diretor.

Raimundo destaca que a Obra Kolping vem utilizando a energia solar em sistemas de reúso de águas e cisternas há pelo menos 10 anos. Segundo ele, aproximadamente 400 famílias agricultoras no Piauí utilizam placas fotovoltaicas em suas propriedades. Essa, no entanto, é a primeira vez que a inovação é aplicada em um lote do P1+2, de forma a consolidar um modelo descentralizado e sustentável de energia renovável.

Para o coordenador do P1+2, Antônio Barbosa, essa experiência do Piauí reafirma a capacidade de inovação dos povos do Semiárido que se soma a outras estratégias, como usos de equipamentos e formas de manejo do agroecossistema. Dessa maneira, as famílias colocam suas identidades em cada agroecossistema e caminham na perspectiva agroecológica da produção e respeito às questões ambientais.

Barbosa também enfatiza que a estratégia reforça a alternativa defendida pela ASA frente ao avanço dos grandes empreendimentos de energias renováveis no Semiárido. “Essa junção da cisterna de produção com a energia solar ainda contribui com a nossa proposta do Programa Um Milhão de Tetos Solares (P1MTS), que tem em uma de suas linhas, justamente, apoiar as famílias agricultoras a terem acesso à energia fotovoltaica para a produção de alimentos”, afirma.

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