Gilmar de Carvalho
Jornalista, publicitário, professor, pesquisador e escritor
gildecar@uol.com.br
O discurso ecológico era tido como diversionista pela direita e pelas esquerdas, no tempo da ditadura militar. Mesmo assim, foi naquele período sombrio que ganhamos a voz e a ação de José Lutzemberg (1926/ 2002), manifestos, publicações alternativas, e o que poderia parecer diletante, ganhou força e espaços na agenda nacional.
Por outro lado, nesta maré conservadora que vivemos, um retrocesso sem precedentes na história política brasileira, voltamos à Idade Média, quando autoridades defendem o terraplenismo e outras questões que parecem risíveis.
As fotos e vídeos que mostravam a Terra, um “planeta azul“, redonda no espaço, girando ao redor do sol, não passavam de concepções artísticas do pessoal da Nasa? Ou artes dos soviéticos, com seu realismo socialista, que disputavam a hegemonia com os norte-americanos, durante a chamada guerra fria?
Tem alguma coisa errada e não para por aí.
Aquelas tabelas e gráficos da evolução humana são falsas, porque está em voga o criacionismo, quando tudo teria começado a partir de Adão e Eva, que geraram meninos que vestem azul e meninas que usam rosa.
Perdemos tempo, gastamos dinheiro, e fizemos pesquisas à toa, para acabar dando foros de cientificidade aos catecismos de antigamente.
São tempos nada auspiciosos, marcados por queimadas espetaculares na Amazônia, pela negação dos levantamentos científicos de agências responsáveis, e de penalização das ONGs, acusadas, leviana e criminosamente, de atear fogo à floresta.
A Amazônia é a esperança de equilíbrio do Planeta, ameaçado pelos plásticos nos oceanos, pela contaminação das águas, e pelo excesso dos agrotóxicos, alguns fortíssimos, proibidos até agora, cuja liberação pelo Governo Federal é conveniente a boa parte do agronegócio, a contrapelo dos pareceres técnicos e da militância verde.
As queimadas também servem para a expansão dos pastos, condição para uma pecuária planetária, interestelar, que nos coloca na vanguarda do atraso, mais uma vez.
Devíamos estar estimulando mandalas, gotejamentos, apostando na agricultura familiar e investindo nos orgânicos.
Vale a pena levantar alguns temas, e partir para uma atitude cidadã, que defende o que já está tão agredido e aviltado. Ainda nos resta a possibilidade da denúncia, o recurso da arregimentação, e a certeza de que a Amazônia não pode prescindir da contribuição internacional.
Tudo isso é maior que um nacionalismo tacanho, resolvido com apelo aos símbolos nacionais, como se fosse uma disputa futebolística ou uma aula de Moral e Cívica do período autoritário (1964/ 1985), que muitos dizem não ter existido.
Este excesso de revisões tem nos levado a um arremedo de “Revolução Cultural“, como a que aconteceu na China maoísta, com desmanche do que se construiu a partir das tradições, e o que ainda resiste em um ambiente de multiculturalidade, de respeito à diversidade, de valorização dos chamados Direitos Humanos.
Estas distorções servem a um projeto fascistóide, atrasado, que considera Hitler de esquerda, que vê comunismo em qualquer gesto fora dos padrões, e não valoriza a vida.
Vale ressaltar a importância da escola, como agente de mudanças, neste quadro de violência endêmica, que se acentua, cada vez mais, por conta da concentração da renda, e da acumulação da riqueza pelas elites, cada vez mais ávidas pelo lucro.
Quando as armas ocupam um primeiro plano, quando matar é mais importante que viver, quando parece que tudo está perdido, a esperança vem, de mansinho, se insinuando entre as frestas do aparelho autoritário.
O pior de tudo é que isso foi chancelado pelo povo, em eleições diretas, mas nem tudo está perdido.
É a vez de juntar quilombolas, índios, mulheres, grupos LGBT+, a todas as pessoas lúcidas, de boa vontade e combater o racismo, a misoginia, o atraso, o mau humor, a radicalização, o fundamentalismo, e juntar forças para a prevalência do bem comum, dos interesses coletivos, da alteridade.
Ainda é possível juntar sementes, que não tenham sido modificadas geneticamente, e plantar um mundo melhor.
Quem viver, verá.