Divulgado na véspera da COP30, estudo revela que 80% dos recursos vão para a Amazônia, enquanto biomas únicos como a Caatinga permanecem subfinanciados

A Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, segue à margem dos investimentos internacionais para a mitigação das mudanças climáticas. Um mapeamento inédito do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), com apoio da ClimateWorks Foundation, mostra que 80% das doações voltadas ao financiamento climático no Brasil concentram-se na Amazônia, deixando a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pantanal e o Pampa em situação de subfinanciamento crônico.
O estudo “Panorama das Doações Climáticas no Brasil” aponta que três quartos dos recursos destinados à mitigação climática – cerca de US$ 208 milhões anuais, em média – vêm de apenas dez grandes doadores internacionais. Os dados, referentes ao período de 2019 a 2023, foram apresentados parcialmente durante o painel “Scaling the role of Philanthropy for Climate Action in Brazil”, no Climate Implementation Summit, em São Paulo, às vésperas da COP30. O relatório completo só será divulgado em março de 2026.
Embora a concentração de recursos na Amazônia seja compreensível pela sua relevância global e continental, o estudo chama a atenção para a invisibilidade de biomas como a Caatinga, que abrange cerca de 10% do território nacional e abriga uma biodiversidade adaptada a condições extremas de seca. “A Caatinga é um bioma único no mundo, mas está ameaçada. Precisamos ver o Brasil como uma solução global que vai além da Amazônia”, afirma Maria Netto, diretora-executiva do iCS.
Estagnação das doações
Este foi o primeiro estudo realizado no País que mapeia os recursos para financiamento climático provenientes de instituições filantrópicas e de países ricos, a chamada Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD). Os dados revelam que houve uma estagnação no volume total reforçada pela suspensão do Fundo Amazônia, entre 2019 e 2022, mas foi compensado parcialmente pela expansão da filantropia.
O estudo mostra ainda que, mesmo dentro da Amazônia, setores estratégicos para uma transição sustentável permanecem carentes de apoio, como energia renovável distribuída, transporte e cadeias produtivas da sociobioeconomia.
Em relação à distribuição dos recursos por setor, 76% do total (o equivalente a US$ 158 milhões por ano) foram destinados ao uso da terra – e, desse percentual, 82% foram para as florestas. Alimentação e agricultura recebem apenas 18%, embora as emissões agrícolas diretas representem 27% da pegada de carbono do Brasil. O levantamento enfatiza a necessidade de ampliar investimentos para viabilizar cadeias de suprimentos da bioeconomia, sistemas agroflorestais e direitos de posse da terra para povos indígenas e comunidades locais, que podem reduzir as emissões agrícolas e gerar benefícios adicionais em biodiversidade, meios de subsistência e resiliência.
Ainda na distribuição setorial, a energia sustentável recebeu, no período, apenas 11% das doações (US$ 21 milhões por ano) para a agenda climática, sendo que a maior parte dos recursos vieram de AOD. Esse percentual caiu para 5% se considerados somente os recursos da filantropia.
“O estudo mostra o grande interesse no Brasil sobre o uso da terra e chama a atenção para a necessidade de dar mais importância à energia limpa, às renováveis, e promover essa agenda”, destaca Maria Netto.
Divisão de recursos
O estudo também identificou 548 organizações beneficiárias de projetos climáticos no Brasil. Ao mesmo tempo em que esse número elevado revela uma ampla participação da sociedade civil na questão climática, também obriga a uma divisão maior dos recursos provenientes da filantropia. Dois terços das organizações recebem menos de US$ 50 mil por ano, o que acaba limitando o alcance e o impacto de cada uma.
Embora não haja dados centralizados sobre o fluxo de financiamento da filantropia doméstica, ela vem se expandindo e complementando os recursos internacionais. Análises qualitativas apontam que os financiadores brasileiros estão cada vez mais ativos, e com perfil diferente dos estrangeiros. Enquanto 65% dos financiadores internacionais priorizam florestas, apenas 25% dos brasileiros o fazem. Em contrapartida, 45% das instituições nacionais investem em engajamento público, contra 20% dos doadores internacionais — um reflexo do papel da filantropia doméstica na mobilização social e na governança participativa.
“A filantropia tem um papel importante, catalítico, de trabalhar com populações mais vulnerabilizadas que não têm acesso a recursos. No iCS, trabalhamos para criar ecossistemas em torno da agenda de restauração, por exemplo. Mecanismos que incentivem o agricultor a querer mudar a forma de fazer para também restaurar. Ele precisa ter financiamento inovador e ter acesso a mercados, que sejam tanto de créditos de carbono quanto de produtos. Não estamos falando de quantidade, e sim de qualidade”, acrescenta a diretora-executiva do iCS.
O levantamento conclui que o Brasil tem grandes oportunidades para mudar a curva global de emissões, proteger ecossistemas e fortalecer a resiliência climática. Para que isso aconteça, porém, faz algumas recomendações:
- Diversificar a base de financiadores, ampliando a filantropia doméstica e corporativa
- Priorizar soluções lideradas por comunidades, povos indígenas e quilombolas
- Ampliar o foco setorial para energia sustentável, transporte, economia circular e resiliência urbana
- Aumentar o investimento em adaptação climática, ainda subfinanciada em relação à mitigação.
“O estudo é importante para o Brasil, que reúne tanto desafios como soluções para a agenda climática”, diz Surabi Menon, vice-presidente da ClimateWorks Foundation.
Fonte: Instituto Clima e Sociedade (iCS)


