Entidades defendem Nordeste na pauta climática nacional

A Eco Nordeste inicia hoje a publicação de uma série de conteúdos que conectam o Nordeste à política climática. Não deixem de acompanhar!

A imagem mostra uma paisagem de vegetação densa e verde, vista de um ponto elevado. No lado esquerdo, em primeiro plano, há um cacto grande com vários galhos longos e finos, apontando em diferentes direções. O horizonte é formado por morros cobertos de mata, que se estendem até a linha distante onde o céu e a terra se encontram. Acima, o céu está nublado, com nuvens espessas e cinzentas, que filtram a luz do sol, criando um clima de dia fechado e úmido
Um grupo de instituições se articula para por o Semiárido, a Caatinga, o Nordeste em uma posição de protagonismo no cenário da política climática nacional e internacional | Foto: Adriana Pimentel

Em alusão ao Dia Mundial do Combate à Seca e à Desertificação, nos dias 16 e 17 de junho passados, o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), promoveu, em sua sede, em Campina Grande, na Paraíba, o seminário nacional “Restaurar a terra. Criar oportunidades”.

Junto ao Insa / Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), participaram da organização do evento, o Observatório da Caatinga e da Desertificação, Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld) Rio Paraíba, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

Foram dois dias de muito intercâmbio. Mas dali saiu algo mais. Uma articulação que envolve muitas instituições públicas de pesquisa, inovação e fomento, assim como do terceiro setor, entre outros, com um objetivo comum de levar o Semiárido, a Caatinga, o Nordeste a uma posição de protagonismo no cenário da política climática nacional e internacional.

Um documento neste sentido deve ser tornado público durante a 3ª Conferência Internacional em Clima e Desenvolvimento em Regiões Áridas, Semiáridas e Subúmidas Secas (Icid 3), a ser realizada em Fortaleza, nos próximos dias 12 e 13 de setembro como evento preparatório para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) a ser realizada em Belém (PA) entre 10 e 21 de novembro deste ano.

A Eco Nordeste entra nesta articulação, ouviu representantes de diversas dessas entidades e inicia hoje a sua cobertura especial da COP30 que deve explorar muitas pautas e fontes sobre a importância da região neste cenário.

Visão estratégica

A imagem mostra um homem de pele morena e cabelos escuros e curtos, sorrindo e olhando para a câmera. Ele veste uma camisa de manga longa verde-oliva, com os braços cruzados à frente do corpo. Ao fundo, há uma paisagem ampla e ensolarada: um grande lago de águas azuis, áreas de vegetação verde e algumas casas espalhadas. Montanhas baixas aparecem no horizonte, sob um céu azul claro com poucas nuvens brancas
Para o pesquisador Aldrin Martin Perez-Marin, a união das organizações do Semiárido para levar a Caatinga à pauta da COP30 é, antes de tudo, um gesto de coragem e visão de futuro | Foto: Arquivo pessoal

No centro dessa discussão está o doutor Aldrin Martin Perez-Marin, latinoamericano de origem, nicaraguense de nascimento, brasileiro por opção e nordestino de coração, como se autodefine, que atualmente lidera a elaboração do Segundo Plano Brasileiro de Ação de Luta contra à Desertificação (2° PAB) e atua como correspondente científico Brasileiro na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD).

“O Semiárido brasileiro, gigante em território, cultura e resistência, nos convida a percebê-lo como um espaço que pulsa, vive e se reinventa continuamente, a partir da interação entre múltiplas dimensões onde natureza, gente e política se entrelaçam. Compreender essa complexidade exige a articulação de diferentes atores para construir estratégias eficazes de convivência com a semiaridez, de combate à desertificação, e de promoção da justiça climática”, afirma.

Na sua visão, a união das organizações do Semiárido para levar a Caatinga à pauta da COP30 é, antes de tudo, um gesto de coragem e visão de futuro: “estamos falando do único bioma exclusivamente brasileiro, que abriga riqueza cultural, biodiversidade única e um potencial extraordinário para enfrentar a crise climática. Proteger e manter a Caatinga em pé é salvaguardar a vida que brota silenciosa, resistente e exuberante, mesmo sob o sol mais inclemente. É cuidar de uma usina silenciosa de sequestro de CO₂, cuja preservação significa menos emissões, mais soluções e um ativo climático essencial ao País e ao Planeta”.

Para o pesquisador, que coordena o Observatório da Caatinga e Desertificação no Insa e atua como professor permanente dos Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo na UFPB e de Ecologia e Conservação na UEPB, essa articulação mostra que a defesa da Caatinga é também a defesa da vida, da água e da dignidade de milhões de pessoas que dependem dela.

“Ao colocarmos o Semiárido no centro das negociações internacionais, afirmamos que não existe justiça climática sem justiça para os povos e ecossistemas que resistem nas regiões mais vulneráveis do Planeta. Essas articulações diversas funcionam como mediadoras da fertilidade das inovações para a convivência com a semiaridez, fortalecendo a autonomia e a autoestima das famílias por meio de processos abertos de aprendizagem, releituras, questionamentos, concertação e formulação de novas perguntas”, declara.

Grande potencial

A imagem mostra um homem de pele clara, cabelos curtos e ondulados castanho-escuros com alguns fios grisalhos, barba e bigode bem aparados também grisalhos. Ele usa óculos de armação fina e está sorrindo, transmitindo simpatia. Veste uma camisa de linho bege clara. O fundo está desfocado, mas revela um cenário verde, provavelmente de vegetação iluminada pela luz do dia
O deputado federal Fernando Mineiro destaca a biodiversidade única, o celeiro de ricas soluções de convivências com as adversidades climáticas e o território mais propício para ações de resgate de carbono | Foto: Acervo pessoal

Outro personagem engajadíssimo nesta luta pela visibilidade do Nordeste no cenário climático é o deputado federal Fernando Mineiro (PT-RN). Biólogo, professor da rede pública estadual do Rio Grande do Norte, ele é membro da Comissão de Educação e da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal. Antes ele exerceu mandatos de vereador em Natal e de deputado estadual no RN com atuação em pautas de educação, meio ambiente (em particular, desertificação, recursos hídricos e energias renováveis), agricultura familiar e cultura, entre outras.

“A COP30 é um espaço importantíssimo para que busquemos dar visibilidade ao Nordeste e ao Semiárido brasileiro. As buscas de alternativas para o enfrentamento às mudanças climáticas não podem desconsiderar os processos em curso em nossa região e, em particular, o que acontece na Caatinga, único bioma – entre todos do planeta – exclusivamente brasileiro”, afirma.

O parlamentar destaca que o Semiárido é uma das regiões mais atingidas do mundo com o acelerado processo de mudanças climáticas e ampliação das áreas desertificadas, já com ocorrências de áreas áridas. “Por outro lado, a região, com sua biodiversidade única, é um celeiro de ricas soluções de convivências com as adversidades climáticas. O Nordeste é a região que mais contribui com os empreendimentos na área de transição energética no Brasil – com todas as suas potencialidades e contradições – e é o território mais propício para ações de resgate de carbono no País”, defende.

Na sua opinião, por tudo isso, é mais do necessário que a região tenha a merecida e necessária visibilidade durante a COP30, que deve ser vista, do seu ponto de vista, não como um evento em si, mas como um processo que tenha como prioridade os desdobramentos dos debates e decisões que venham acontecer.

E completa: “a articulação com as instituições governamentais e sociedade civil busca contribuir para que a nossa região aproveite esse momento de forma organizada e coletiva para inserir os problemas, desafios e potencialidades do Nordeste, do Semiárido e da Caatinga na agenda ambiental do mundo que busca desenvolvimento com transição energética justa e sustentável”.

Pouco lembrado

A imagem mostra um homem de pele clara, cabelos curtos grisalhos e lisos, usando óculos de armação preta. Ele veste uma camisa social bege clara. Está de pé diante de um grande mapa geográfico colorido, que ocupa todo o fundo da foto, mostrando rios, estradas e áreas demarcadas. O homem olha para a câmera com expressão neutra e postura ereta
Eduardo Martins ressalta que as regiões semiáridas do Globo, em geral, estão entre as mais vulneráveis às mudanças climáticas, sofrem com secas mais longas, chuvas irregulares e degradação ambiental, mas, apesar disso, são ainda pouco lembradas nas grandes discussões sobre o clima | Foto: Acervo pessoal

Envolvido diretamente na organização da Icid 3, o presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Eduardo Sávio Martins, ressalta que as regiões semiáridas do Globo, em geral, estão entre as mais vulneráveis às mudanças climáticas, sofrem com secas mais longas, chuvas irregulares e degradação ambiental.

Ele ressalta que, apesar disso, são ainda pouco lembradas nas grandes discussões sobre o clima: “incluir o Semiárido na pauta climática do Brasil e do mundo é fundamental para garantir investimentos em adaptação, segurança hídrica e tecnologias sociais que fortaleçam a vida no campo. Proteger essas regiões não é apenas preservar um território, é defender a biodiversidade, a cultura e o sustento de milhões de pessoas, além de mostrar que é possível viver e produzir de forma sustentável, mesmo em condições adversas”.

Engenheiro civil com doutorado pela Universidade de Cornell, Eduardo Martins é presidente da Funceme desde 2006 e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) desde 2010, onde é vice-diretor do Centro Estratégico de Excelência em Políticas de Águas e Secas (Cepas/UFC). Sua pesquisa concentra-se no uso de informações climáticas para o planejamento dos recursos hídricos, com foco nos últimos 25 anos, na variabilidade e mudança climática e na gestão de secas.

Uma outra organização envolvida neste esforço coletivo pela presença do Semiárido no debate climático nacional e mundial é a Articulação Semiárido Brasileiro, uma rede formada por mais de três mil organizações da sociedade civil que promovem a convivência com o Semiárido. Surgiu nos anos 1990, focada na mobilização social e na defesa do direito à água e atua na formulação de políticas públicas e no fortalecimento da sociedade civil.

Experiências para compartilhar

A imagem mostra um homem de pele clara, careca, com barba e bigode grisalhos. Ele usa óculos de armação escura e veste uma camiseta verde com estampa na frente, por baixo de uma camisa marrom de mangas curtas, aberta. O homem está sentado em um ambiente externo, cercado por árvores de troncos retorcidos e folhagem verde, olhando para a câmera com expressão séria
Paulo Pedro de Carvalho lembra que os povos da Caatinga desenvolveram um conjunto de experiências e de práticas de Convivência com o Semiárido e de adaptação às adversidades climáticas que pode ser ensinado para o Mundo | Foto: Acervo pessoal

Paulo Pedro de Carvalho, é agrônomo, especialista em Gestão Agroambiental e Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, militante da Agroecologia e da Convivência com o Semiárido e colaborador da ASA. Ele destaca a riqueza e a diversidade natural e cultural e sua grande capacidade econômica.

“Podemos dizer que o Semiárido desenvolveu estratégias, capacidade de adaptação à Crise Climática, combate à desertificação, por meio da promoção da Agroecologia e, mais recentemente, o bioma foi estudado e foi confirmada a capacidade e eficiência da floresta da Caatinga de sequestrar carbono e armazenar no solo”, destaca.

“Os povos da Caatinga criaram um conjunto de experiências e de práticas de Convivência com o Semiárido e de adaptação às adversidades climáticas, com estratégias de estoque de água, alimentos, sementes e cultivo agroecológico que pode ser ensinado para o Mundo”, relata.

Por fim, Paulo Pedro lembra que, neste território do Semiárido brasileiro, do bioma Caatinga, resistente e pulsante, existe um conjunto grande de organizações da sociedade civil, como as que formam a ASA, que interage com outras redes sociotécnicas de promoção da agricultura familiar, da Agroecologia e de todas as formas de produção de alimentos saudáveis e promoção de uma vida digna e sustentável para todas as pessoas que vivem nessa região e para as futuras gerações.

Desafios e soluções

A imagem mostra um homem de pele clara, cabelos curtos e escuros com algumas entradas, vestindo uma camiseta branca simples. Ele está ao ar livre, em uma paisagem de vegetação típica do semiárido no período de estiagem, com arbustos esparsos e árvores pequenas ao fundo. O céu está parcialmente nublado, com tons azulados e um toque alaranjado no horizonte, indicando provavelmente o amanhecer ou entardecer. O homem sorri levemente, olhando para a câmera
Para Sérgio Xavier, o desafio é planejar rapidamente, com visão sistêmica, as transformações dos atuais modelos econômicos degradadores, em modelos regenerativos e equitativos | Foto: Acervo pessoal

“A região Nordeste enfrenta graves riscos climáticos, mas também reúne muitas soluções para elevar resiliências socioambientais e reverter o aquecimento global”. A afirmação é de Sérgio Xavier, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), integrante do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), enviado especial da COP30 e atua na articulação de políticas públicas para transformações sistêmicas (sociais-ecológicas-econômicas) nos Laboratórios de Economia Regenerativa e Inclusiva de Fernando de Noronha e do Rio São Francisco – Caatinga.

Xavier – que é jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), ativista socioambiental desde os anos 1980 e foi secretário de Meio Ambiente de Pernambuco (2011 a 2017), onde coordenou o 1º Plano Estadual de Mudanças Climáticas, implantou unidades de conservação e desenvolveu projetos inovadores de bioeconomia e carbono neutro – , destaca os pontos mais críticos para ele:

“O acelerado desmatamento da Caatinga e a grave perda da biodiversidade neste bioma brasileiro mais suscetível à desertificação; a degradação das bacias hidrográficas, como a do Rio São Francisco, que é a principal base hídrica do Semiárido; o aumento da temperatura, que provoca insuportáveis ondas de calor e migrações forçadas; e, no litoral, erosões costeiras e inundações provocadas pela elevação do nível do mar, somada a chuvas extremas”.

Por outro lado, ele ressalta a presença de soluções como: “geração de energias renováveis – solar e eólica no interior e hidrogênio verde nos pólos industriais e portos do litoral; produção de biocombustíveis – que podem impulsionar reflorestamentos de áreas degradadas, com espécies nativas, cujos frutos são matéria-prima; cadeias produtivas regenerativas integradas ao emergente mercado de carbono; e modelos inovadores de agricultura orgânica, turismo ecológico, bioindústrias e economia circular, entre outros”.

Para ele, o desafio é planejar rapidamente, com visão sistêmica, as transformações dos atuais modelos econômicos degradadores, em modelos regenerativos e equitativos. “Isso exige integrar setores empresariais, acadêmicos, governamentais e comunidades na formulação de novos modelos em cada território, considerando culturas, demandas e vocações locais”.

Inclusão dos outros biomas

Homem de pele clara e cabelos grisalhos curtos, usa óculos de aro fino. Ele veste camisa social azul-escura com padrão de pequenos quadrados brancos e crachá pendurado no pescoço. Está sentado, com as mãos juntas, em um ambiente interno iluminado pela luz natural que entra por uma grande janela. Ao fundo, vê-se parte de prédios e árvores
Para Victor Uchôa Ferreira, seria de bom tom que a política climática brasileira considerasse as especificidades de cada bioma | Foto: Acervo pessoal

Victor Uchôa Ferreira, engenheiro agrônomo com mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente e pesquisa na área de Desertificação, e atualmente é o coordenador de Desenvolvimento Territorial, Infraestrutura e Meio Ambiente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), outra organização envolvida neste esforço para colocar o Nordeste na pauta climática nacional.

Para ele, seria de bom tom que a política climática brasileira considerasse as especificidades de cada bioma. No caso do Nordeste, enfatiza dois aspectos: o primeiro é o de que a região é a mais impactada pela Crise Climática no País. O segundo é a comprovação científica da contribuição da Caatinga para a fixação do carbono e, portanto, seu grande potencial para minimizar os efeitos do aquecimento global. Vamos falar mais sobre isso nas próximas reportagens desta série. Acompanhem!

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