Forró e festas juninas estão entre as preferências culturais dos fortalezenses

Pesquisa inédita revela como os habitantes de Fortaleza consomem cultura e traça um retrato da cena cultural da capital do Ceará

Bandeirolas coloridas enfeitam o céu azul em um dia ensolarado. Ao fundo, vê-se um prédio branco de telhado laranja e uma torre com cúpula, compondo um cenário típico de festa junina nordestina
Centro Cultural Dragão do Mar enfeitado com bandeirinhas juninas | Foto: Fernanda Leal

Fernanda Leal, Jornalista, fotógrafa fortalezense e moradora do bairro Messejana é uma frequentadora assídua de atividades culturais diversificadas na capital cearense. Ela, que é uma grande apreciadora das artes visuais, vai ao cinema semanalmente e, embora vá ao teatro com menos regularidade, tem intensificado essa prática. Fernanda também assiste a shows com frequência, em parte por motivos profissionais, já que é fotógrafa de espetáculos. Além disso, visita exposições mensais, buscando se manter conectada com diferentes formas de arte.

A fotógrafa demonstra uma forte ligação emocional com a cultura popular nordestina, especialmente com as festas juninas. Mais do que gostar, ela vê os festejos como um momento de celebração, cor, sabor, alegria e renascimento. Esse afeto é intensificado por sua data de nascimento, que é em junho, o que reforça o vínculo afetivo com as festas associadas aos santos juninos, Santo Antônio (13), São João (24) e São Pedro (29).

“Eu costumo dizer que São João, o mês de junho, é o mês mais lindo, mais colorido e o mais gostoso do ano. Gosto de forró, embora eu não saiba dançar. Já as comidas típicas, eu gosto de todas”, destaca.

Seu gosto musical é bastante enraizado na música brasileira, com preferências pela Música popular brasileira e jazz, especialmente inseridos na programação do Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), que considera seu espaço cultural preferido da cidade. E, se pudesse eleger um símbolo cultural para Fortaleza, Fernanda destaca Iracema, personagem do romance de José de Alencar, espalhada pela cidade em forma de estátuas:

“Temos a Iracema aqui em Messejana, e também as duas estátuas na Avenida Beira-Mar. Acho que ela representa bem a cidade. Está presente desde a lagoa até a praia, dois extremos que contam nossa história”.

Foto em preto e branco de mulher branca de cabelos curtos e cacheados vestindo camisa de manga curta clara e calça escura está sentada sobre um tronco de árvore, cercada por uma vegetação densa. Ela sorri, com os braços apoiados em um dos joelhos, em um ambiente natural sombreado por galhos e folhas
A fotógrafa Fernanda Leal revela um gosto cultural bastante diversificado, e revela paixão pelas festas juninas | Autoretrato

Já Rérisson Máximo, arquiteto e urbanista fortalezense, morador do bairro Papicu, é bastante envolvido com as manifestações culturais populares, especialmente o Carnaval, considerado por ele a principal expressão cultural do País. Ele não apenas participa ativamente do Carnaval em Fortaleza, mas também em cidades do interior e em outros estados. Sua participação vai além de ser espectador: ele é integrante de um bloco carnavalesco. Para Rerisson, o Carnaval divide seu protagonismo com as festas juninas no Nordeste, sendo ambas manifestações centrais na cultura da região.

“Como cidadão fortalezense, com raízes no interior, acredito que a festa junina é o principal momento festivo da cidade. Por muito tempo, Fortaleza teve uma relação mais informal com o São João, com festas organizadas pelas comunidades. Mas isso tem mudado. Sempre que posso, participo dos festejos, assistindo a festivais de quadrilha, vou a festas com muito forró, comidas típicas e esse clima especial que conecta a capital às tradições do interior. Isso tudo faz parte da nossa identidade”, destaca o arquiteto.

Eclético e interessado por diversos estilos e ritmos, o arquiteto manifesta um apreço especial pelas bandas nordestinas e pela cena musical de Fortaleza. Ele possui o hábito de participar de atividades culturais de forma regular, especialmente aos fins de semana, mas também em outros dias. Suas programações favoritas incluem shows, museus como o da Fotografia, a Pinacoteca, e cinema, com especial preferência pelo Cinema do Dragão, que assim como Fernanda Leal, ele vê como uma alternativa aos cinemas de shopping.

Além disso, Rerisson gosta de frequentar espaços culturais, como a Caixa Cultural e a Estação das Artes, locais que considera essenciais para o cenário cultural da cidade, que traz tanto artistas consagrados quanto novas descobertas. Ele também destaca o trabalho dos Cucas, espaços periféricos que promovem políticas culturais importantes, com shows, mostras audiovisuais e outras atividades.

Incentivado a eleger um ícone cultural para a cidade, o arquiteto pontua: “Vou responder com uma provocação: talvez o grande ícone cultural da cidade seja justamente a histórica negação da própria cultura. Fortaleza não tem o mesmo peso arquitetônico e patrimonial de cidades como Recife ou São Luís. Isso é reflexo da forma como a cidade foi formada, com uma colonização distinta. Ainda assim, temos uma produção cultural riquíssima, feita por pessoas que resistem e criam todos os dias”.

O retrato de como Fernanda Leal e Rérisson Máximo consomem cultura na capital do Ceará e compreendem esse processo de inserção aos movimentos culturais da cidade confirmam dados apontados pela Cultura nas Capitais, maior pesquisa quantitativa sobre hábitos culturais já realizada do Brasil, que compilou informações inéditas sobre como os fortalezenses se engajam em ações culturais.

Hábitos culturais

Segundo a pesquisa, o forró e as festas juninas se destacam entre as manifestações culturais preferidas da população de Fortaleza. Os dados revelam um forte interesse dos fortalezenses pela cultura, embora ainda existam obstáculos no acesso e na consolidação de referências culturais na cidade. O estudo também aponta uma queda na participação em todas as 12 atividades culturais analisadas nas duas edições da pesquisa, sendo mais expressivas as reduções nas áreas de dança, cinema e bibliotecas, que registraram cerca de 10 pontos percentuais a menos.

Fortaleza se destaca entre as capitais brasileiras pelo alto interesse em teatro: 56% dos moradores atribuíram nota 8 ou mais, em uma escala de 0 a 10, ao desejo de assistir a espetáculos teatrais. A cidade também lidera no interesse por apresentações de dança, com 48% da população, o que demonstra alto grau de vontade de frequentar esse tipo de evento, ao lado de Belém e Maceió.

Fortaleza também se destaca como a capital brasileira com o maior público potencial para shows (29%) e teatro (41%), além de estar entre as primeiras colocadas no interesse pela dança (31%). De acordo com os critérios da pesquisa, considera-se público potencial aquele que ainda não participou dessas atividades, mas demonstrou elevado interesse em frequentá-las.

Fernanda Leal destaca que, como consumidora de cultura na cidade, gostaria que mais artistas do circuito Rio-São Paulo viessem para Fortaleza: “acho que a cidade já poderia estar melhor organizada financeiramente para trazer esses nomes com mais frequência. Por exemplo, no ano passado tive a grande alegria de ver Leila Pinheiro e Roberto Menescal por aqui, mas esses artistas vêm a cada 15, 20 anos”.

Já Rérisson Máximo considera que Fortaleza poderia se inspirar no que acontece em São Paulo, a exemplo dos projetos culturais do Sesc: “claro que há diferenças estruturais entre as duas cidades, mas, com o apoio da Prefeitura, do Governo do Estado e dos equipamentos já existentes, seria possível criar um circuito cultural mais amplo, com programação regular e acessível. Seria uma forma de valorizar tanto artistas consolidados quanto aqueles que ainda estão buscando espaço, além de formar público”.

Embora Fortaleza apresente níveis de acesso a atividades culturais abaixo da média nacional em diversos segmentos, se sobressai no contexto regional. É a capital do Nordeste com maior presença em eventos literários (22%) e figura entre as que mais frequentam cinemas (42%, empatada com Salvador e atrás apenas do Recife) e museus (19%, ao lado de Aracaju e João Pessoa). Destaca-se ainda por ser a capital onde mais pessoas costumam visitar esses espaços acompanhadas do cônjuge: 28% dos frequentadores, ante uma média nacional de 20%.

Visitada por muitos,
desconhecida pelos seus

A pesquisa mostra que moradores de 13 outras capitais brasileiras citaram museus ou exposições de Fortaleza como os últimos que visitaram, o que reforça o papel da cidade como destino no turismo cultural. Ao mesmo tempo, fortalezenses apontaram 22 instituições de outras localidades como as mais recentemente visitadas, o que revela um fluxo expressivo, tanto de interesse externo quanto de busca por referências culturais fora da cidade.

Apesar da evidente vitalidade cultural, Fortaleza apresenta elevados níveis de indefinição em relação a seus principais ícones locais. Segundo a pesquisa, 44% dos entrevistados não souberam indicar qual espaço cultural frequentam com mais regularidade, e 43% não conseguiram apontar o evento mais importante da cidade, o que evidencia uma lacuna simbólica que ainda precisa ser vencida.

“Para que Fortaleza se consolide como uma capital cultural, é preciso mais que investimento financeiro: é preciso política pública consistente, de longo prazo. Temos muitas manifestações culturais importantes, do forró ao rock, do trap às quadrilhas juninas, mas ainda carecemos de políticas que incentivem e consolidem essas expressões. Uma cena cultural forte se constrói com planejamento, apoio e valorização da diversidade artística local”, ressalta Rérisson Máximo.

Homem com barbas, usando boné marrom, óculos escuros, um abadá de carnavall laranja. Ele segura um tambor
Rérisson Máximo durante os ensaios do bloco de carnaval no qual participa | Foto: Acervo pessoal

Fernanda Leal reforça a ideia e destaca que para que a cultura local seja mais valorizada, é necessário que os fortalezenses ocupem os espaços culturais: “Vejo muitas pessoas reclamando da programação, mas falta engajamento, disposição mesmo de sair de casa, ir ao teatro, ao cinema. Acho que, com mais vontade e participação, os grandes espaços culturais da cidade vão estar mais cheios. Isso já tem melhorado, mas ainda falta. Até os próprios artistas de teatro, muitas vezes, não vão ao teatro. E eu acompanho de perto essa discussão”.

Composição Ideal

Quando se trata da composição ideal de uma programação cultural, Fortaleza se destaca como a capital mais sensível aos temas sociais contemporâneos. Para 73% dos entrevistados, é importante que os eventos abordem questões de gênero e orientação sexual, percentual superior à média nacional, que é de 64%. Além disso, 91% consideram fundamental a inclusão de temas relacionados à acessibilidade, superando os 84% registrados nas demais capitais.

“A pesquisa confirmou riquezas já bem conhecidas da cultura em Fortaleza, como a força do forró e das festas juninas. E, embora tenha apontado que a cidade fica abaixo da média das capitais em muitas atividades, revela também que há um grande público potencial a ser conquistado, especialmente para shows e apresentações de teatro. Vale a pena os produtores culturais e o setor público olharem essas áreas com atenção”, afirma o coordenador da pesquisa, João Leiva.

Preferências musicais
e gastronômicas

No dia a dia dos fortalezenses, o forró ocupa lugar de destaque. Após Teresina e João Pessoa, Fortaleza é a cidade com o terceiro maior percentual de pessoas que apontam esse gênero como favorito, com 39%, bem acima da média nacional de 16%. A capital cearense também lidera a preferência por música romântica, com 12%, mas figura entre as capitais que menos apreciam o pagode, que tem apenas 11% de seguidores.

Depois do forró, os gêneros musicais mais apreciados em Fortaleza são gospel (28%) e sertanejo (27%), em um empate técnico. Logo em seguida, aparecem MPB (23%), pop (18%) e rock (14%).

O estudo também analisou os hábitos de escuta musical em Fortaleza. O celular é o dispositivo mais utilizado, indicado por 84% dos entrevistados, seguido pelo som portátil (66%) e pelo rádio (54%). Quanto aos aplicativos preferidos para ouvir música, o YouTube lidera com 64%, enquanto o Spotify aparece com 43% e o TikTok com 23%.

Na gastronomia, quase metade dos entrevistados (49%) relaciona a identidade culinária de Fortaleza a pratos à base de arroz e feijão, com o baião de dois sendo o mais mencionado (38%), o que revela a forte conexão entre cultura e tradição no cotidiano da cidade.

Espaços culturais mais citados

A pesquisa avaliou o reconhecimento de dez espaços culturais em cada capital, ao perguntar aos entrevistados se conhecem os locais, mesmo que apenas de ouvir falar, e se já os visitaram pelo menos uma vez. Em Fortaleza, mais da metade da população já esteve no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (76%), no Theatro José de Alencar (67%) e no Cineteatro São Luiz (51%).

Na sequência, a Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece) é conhecida e frequentada por 38% dos entrevistados, enquanto 34% afirmam saber da sua existência, mas nunca a visitaram.

Metodologia do estudo 

Nesta edição da pesquisa Cultura nas Capitais, foram entrevistadas 19.500 pessoas residentes nas 26 capitais brasileiras, além de Brasília, com idade a partir de 16 anos e de diversos níveis socioeconômicos, entre 19 de fevereiro e 22 de maio de 2024. As entrevistas foram realizadas presencialmente em pontos de grande circulação, distribuídos por 1.930 locais — entre 40 e 300 em cada capital. Abrangeu áreas com diferentes perfis sociais e econômicos. Cada entrevistado respondeu até 61 perguntas, incluindo questões sobre características sociais e econômicas, como escolaridade e cor da pele. O estudo foi conduzido pelo instituto Datafolha.

Além da pergunta sobre renda, a pesquisa utilizou o Critério Brasil de Classificação Econômica, um método que segmenta a população em classes sociais (A, B, C, D ou E) com base em características do domicílio — como a presença e quantidade de itens de conforto — e no grau de escolaridade do chefe da família. Esse critério é desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP).

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