Reflorestamento do Cerrado terá 8 milhões de mudas até 2029

A equipe de reportagem da Eco Nordeste esteve na porção maranhense do Matopiba e conheceu iniciativas que, na contramão da devastação causada pelo agronegócio,  buscam contribuir para a conservação dos recursos naturais da região. O Projeto Laudato Si’  Reflorestando o Cerrado, idealizado pela Diocese de Balsas (MA), é uma dessas ações de solução

Considerado o Estado que mais desmatou o Cerrado, no ano de 2023, segundo o  Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Maranhão foi responsável por suprimir  2.928,81 km² da vegetação do bioma. Ainda de acordo com o estudo, entre os municípios maranhenses, Balsas disparou na frente, e desmatou no último ano 319,08 km² de áreas abertas, sendo o terceiro município brasileiro que mais suprimiu o Cerrado, em 2023. 

Os dados não são um acaso: o município, situado ao Sul do Maranhão, é uma das principais potências da produção de commodities no Matopiba, a fronteira agrícola que avança na divisa entre os Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, cujas iniciais dão nome à região. Contudo, apesar da grande devastação da natureza que vem sendo vivenciada na região, o projeto “Laudato Si’ – Reflorestando o Cerrado”, uma iniciativa da Diocese de Balsas, busca fazer a diferença na natureza do lugar, com o objetivo de plantar 8 milhões de mudas de espécies nativas do Cerrado, até 2029.

Imagem aérea de uma enorme área coberta por vegetação verde e copas de árvores diversas sob um céu nublado

O Cerrado brasileiro é considerado o berço das águas e é a savana mais biodiversa do mundo | Foto: Camila de Almeida

Mudas de pequi, buriti, baru, jatobá, bacuri, araticum, babaçu, dentre outras espécies arbóreas endêmicas do Cerrado, ou que se adaptem bem às condições do bioma, estão sendo plantadas em escolas, praças, parques, áreas comuns e zonas degradadas dos 19 municípios que compõem a Diocese de Balsas.

A inspiração da iniciativa idealizada por Dom Valentim Fagundes de Menezes, vem da segunda Encíclica do Papa Francisco, “Laudato Si’, sobre o cuidado da Casa comum”, e para a execução da iniciativa, a diocese conta com o apoio do Campus da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) em Balsas, a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) – Campus de São Raimundo das Mangabeiras, na implantação de Viveiros voltados à produção dessas mudas. A distribuição das mudas é feita durante eventos e ações da Diocese em parceria com as comunidades.

Mulher de pele parda e cabelo escuro comprido, vestida de camisa branca e calça rosa, posa de braços cruzados em um círculo vazado da fachada de uma casa branca

Professora Gisélia Brito, diretora do Campus Balsas da Universidade Federal do Maranhão e uma das parceiras do projeto Laudato Si’ | Foto: Camila de Almeida

O Projeto Laudato Si’ é uma oportunidade de a igreja e a sociedade se reconciliarem com o Cerrado maranhense, em especial. A região sul maranhense tem sofrido nos últimos anos com o desmatamento para o plantio das monoculturas, seja soja, milho, feijão ou arroz.  Por meio deste projeto, nós temos essa oportunidade de reflorestar para que o nosso ecossistema vá se reequilibrando a partir de ações tão simples, mas que podem trazer grandes benefícios em longo prazo”, destaca Gisélia Brito, atual diretora da UFMA Campus Balsas, ao reafirmar o apoio da Universidade à iniciativa.

Dom Valentim um dia falou que esse é um projeto ousado, levando em consideração a quantidade de mudas que plantaremos em oito anos. Mas essas 8 milhões de mudas, na verdade, são mais que um número, são uma motivação para plantar e não parar

Gisélia Brito
Diretora do Campus Balsas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

A professora destaca que o Projeto convida todos a olhar para as árvores e como elas contribuem para a saúde das pessoas, para o conforto térmico, para o bem-estar dos ecossistemas e qual é a responsabilidade de cada um de nós sobre isso; e estima que cerca de um milhão de mudas já tenham sido plantadas desde 2021, quando a iniciativa teve início. 

“Dom Valentim um dia falou que esse é um projeto ousado, levando em consideração a quantidade de mudas que plantaremos em oito anos. Mas essas 8 milhões de mudas, na verdade, são mais que um número, são uma motivação para plantar e não parar. O projeto pretende que a cultura do plantio seja inserida nas vidas das comunidades. E essas pessoas são de todas as classes, todos os lugares, sem acepção, porque todos nós precisamos nos conscientizar de que dependemos da natureza para viver e que precisamos preservar essa casa comum”.

Foto de homem negro usando óculos de grau de armação preta e camisa roxa manuseia mudas de plantas verdes dispostas em um viveiro

O agrônomo Jean Magalhães coordena a produção de mudas destinadas ao reflorestamento | Foto: Camila de Almeida


Durante a visita da equipe de reportagem da Eco Nordeste ao Sul do Maranhão, conhecemos o viveiro de mudas nativas do bioma Cerrado mantido no Campus São Raimundo das Mangabeiras, do IF maranhense. É justamente nesse espaço, por meio do projeto de extensão Frutifica IFMA, que as mudas destinadas ao Projeto Laudato Si’ estão sendo cultivadas e reproduzidas. 

O viveiro se tornou uma estrutura permanente de ações contínuas de ensino e pesquisas de extensão, além de lugar de produção e distribuição de mudas para os plantios progressivos nos espaços comuns. “Nossos espaços administrativos já estão arborizados, a partir da produção das mudas que a gente faz aqui. Além disso, fazemos doações para escolas e instituições e para comunidade em geral. Temos atualmente cerca de 2.500 mudas aqui no viveiro. Na última festa do município, por exemplo, a lembrança foi uma muda para cada pessoa. cada participante levou uma muda com um cartãozinho” destaca o engenheiro agrônomo Jean Magalhães, coordenador do projeto frutifica IFMA. 

Foto colorida de panela de aço cinza, com água e muitos buritis, um fruto de cor marrom e casca grossa

O buriti é um dos frutos nativos do Cerrado, comumente colhido por extrativistas | Foto: Camila de Almeida

Magalhães destaca que há uma parceria forte entre o projeto e agricultores familiares, a partir do diálogo e da troca de conhecimentos. Além do intercâmbio de informações, a instituição mantém com os produtores a troca de mudas e sementes, já que boa parte vive em comunidades na zona rural onde há mais facilidade de encontrar essas espécies.  

“Esses dias mesmo, um dos agricultores nos mandou um saco de jatobá. Aqui também a gente vem incentivando as comunidades com relação ao extrativismo de frutos nativos, para que se tenha o olhar e o cuidado com essas espécies, com a intenção de que se mantenham em pé.” 

As ações voltadas para as comunidades se estendem à formação de multiplicadores de práticas para o cultivo dessas espécies nativas. “Cerca de 30 multiplicadores foram beneficiados com a última oficina, mas sabemos que esse conhecimento se multiplica e se amplia nas comunidades, a partir desses participantes. O primeiro trabalho nessas oficinas é induzir à uma reflexão sobre o que é o Cerrado e sua importância, a partir da perspectiva de suas comunidades e da forma como estão colaborando para conservar o bioma. É interessante como o agricultor familiar já exercita isso de uma forma muito natural ”, destaca Magalhães.

Para o engenheiro agrônomo, esse tipo de ação é extremamente importante para a conservação na natureza ao redor e para a garantia da segurança hídrica da região: “porque primeiro vamos entender o que ainda temos de matas de pé e vamos trabalhar para mantê-las em pé. Essa mata em pé tem seu valor e cumpre seus serviços ambientais, a preservação das águas é um dos principais. Por exemplo:  se você tem nascentes e desmata no entorno, progressivamente irá se esgotar, mas se você fizer o contrário, e trazer espécies que eram naturais daquele lugar, aos poucos os lençóis freáticos serão recarregados com as chuvas e os olhos d’água começam a voltar a aparecer. O Cerrado tem como principal função ser o berço das águas e quando a gente tira essa cobertura vegetal, a gente condena isso”, finaliza. 

Projeto ma.to.pi.ba.

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa aponta experiências que têm dado certo na região, na linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts, e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área); Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%); e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

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