HIDROGÊNIO VERDE
Combustível do futuroou do agora?
Murilo Gitel
Notícia Sustentável
O que é o hidrogênio verde?
Mais do que uma fonte energética propriamente dita, o hidrogênio verde é uma espécie de vetor energético cuja produção dispensa a queima de combustíveis fósseis. Funciona assim: por meio de um processo físico-químico chamado eletrólise se dá a separação das moléculas de hidrogênio e oxigênio da água, com a ajuda de uma corrente elétrica. Fontes renováveis de energia, como eólica, solar ou biomassa são incorporadas nesse processo, o que justifica o verde do nome. É que o único resíduo gerado pelas células combustíveis nesse sistema de separação e produção de eletricidade é o vapor de água. Já os chamados hidrogênios cinza, marrom ou azul utilizam matérias-primas como gás natural ou carvão, poluentes que emitem gases de efeito estufa na atmosfera.Alternativa versátil
Para o analista da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), Uwe Remme, o aspecto complementar do hidrogênio verde é extremamente importante. “A eletricidade de fontes renováveis é fundamental para descarbonizar o Planeta — mas ela não pode fazer isso sozinha, e o transporte de longa distância e as indústrias pesadas são o lar das emissões mais difíceis de reduzir.”
Na avaliação de Remme, o hidrogênio é versátil o suficiente para suprir algumas dessas lacunas críticas. “Ele pode fornecer matérias-primas vitais voltadas às indústrias química e siderúrgica ou ingredientes cruciais para combustíveis de baixo carbono para aviões e navios”, acrescenta o especialista da IEA.
Competitividade e projeção
Um relatório da IEA divulgado neste ano revelou que, caso governos e indústrias obtenham sucesso no desenvolvimento do hidrogênio verde, esse combustível com baixo teor de carbono ganhará competitividade em relação ao hidrogênio azul até 2030. Já para 2050, a projeção é de que 62% da produção mundial seja do verde e 35% do azul (este último correspondia a 95% em 2020).
“A gente precisa entender que, para implantação do processo de consumo e distribuição de hidrogênio, é preciso fazer uma transição, um processo contínuo a partir do consumo do hidrogênio cinza, que é aquele da reforma do metano. Não é virando a chave, deixando de produzir o cinza e passando a produzir o renovável que se resolve. Precisamos (gradualmente) diminuir a produção de um e aumentar a produção do outro”, defende o diretor do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), Rodrigo Mello.
Nordeste larga na frente
No Brasil, os projetos relacionados ao chamado “combustível do futuro” ainda engatinham, mas o Nordeste – que tem imenso potencial eólico e solar – já tem se movimentado para liderar essa corrida em nível nacional. No fim de outubro, o governador do Ceará, Camilo Santana, assinou, em Roterdã (Holanda), o 11º memorando de entendimento para produção de hidrogênio verde no Complexo do Pecém. O protocolo, que prevê investimentos de US$ 2 bilhões nos próximos anos, foi firmado com o consórcio Transhydrogen Alliance, formado pelas empresas Proton Ventures, Trammo, Global Energy Storage e VARO. O objetivo do projeto é produzir, pelo menos, 500.000 toneladas de hidrogênio verde por ano, que equivalem a cerca de 2,5 milhões de toneladas de amônia verde, e exportar para a Europa pelos portos do Pecém e de Roterdã, que são parceiros comerciais.HUB de Hidrogênio Verde
Instalado no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o HUB de Hidrogênio Verde do Ceará foi lançado neste ano, em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec). A ideia é buscar reduzir a emissão de poluentes com novos investimentos e ampliar as oportunidades de negócios e geração de empregos, para assim impulsionar a economia do Estado.
“Este é um passo importante para a descarbonização do mundo. Estamos em uma grande força-tarefa para transformar o Ceará em um HUB de Hidrogênio Verde, que é o combustível do futuro. O mundo inteiro procura alternativas para reduzir a emissão de poluentes. Além disso, iremos mudar a realidade socioeconômica do Ceará com novas oportunidades de emprego e renda para os cearenses”, destaca o governador Camilo Santana.
Já em Munique (Alemanha), ainda no fim de outubro, o governo do Ceará firmou um acordo com a multinacional alemã Linde para a implementação de uma planta de H2V. “É uma satisfação muito grande trabalharmos juntos nesse projeto. A White Martins já tem sua planta (de oxigênio) no Pecém, e agora temos a necessidade de produzir combustível sustentável. A Linde tem buscado parceiros e o Ceará tem muito potencial nesse sentido. Acredito que essa será uma parceria muito importante para o Estado, para o Brasil e para a Europa”, comemorou à época o vice-presidente Global da Linde, David Burns.
Hidrogênio verde em Pernambuco
Pernambuco também já conta com investimentos garantidos para a produção de H2V no Estado. Em maio, o governo pernambucano anunciou um acordo com a empresa de origem francesa Qair Brasil com foco no Porto de Suape, e cujos investimentos podem chegar a US$ 3,8 bilhões.
A Planta de Hidrogênio Verde Pernambuco prevê a instalação de quatro conjuntos de eletrolisadores de água em áreas localizadas no Porto de Suape, em quatro fases de implantação. A unidade vai dispor dos processos combinados de eletrólise, bombeamento e liquefação, o que permitirá o envio do produto para longas distâncias, além da reforma de gás natural.
Porto de Suape também ganhará HUB
“Uma das gigantes mundiais na produção de energias renováveis está aportando em Suape para instalar uma planta que vai gerar o chamado hidrogênio verde, um insumo valioso para o setor industrial. Mais um grande empreendimento que vai criar empregos e renda no nosso Estado”, celebrou à época o governador Paulo Câmara.
Em junho deste ano, foi a vez de o governo pernambucano assinar um memorando de entendimento com a Neoenergia para construir uma cooperação voltada ao desenvolvimento de um projeto-piloto de produção de hidrogênio verde no Porto de Suape. A ideia é preparar o complexo para ser um HUB de H2V no futuro.
“A parceria firmada é de extrema relevância para o País, visto que Suape possui um polo petroquímico, com localização estratégica para áreas destinadas a terminais, logística, serviços e indústrias, em especial aos mercados europeu e americano”, declarou a empresa controlada pelo grupo espanhol Iberdrola.
O que é que a Bahia tem?
Com 205 parques eólicos e 35 solares em operação atualmente, a Bahia, Estado que ainda conta com três portos públicos (Salvador, Aratu e Ilhéus) e o Polo Industrial de Camaçari, também pretende ser um player importante na produção de hidrogênio verde. Em abril, os secretários estaduais João Carlos Oliveira (Meio Ambiente) e Marcus Cavalcanti (Infraestrutura) se reuniram com a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) para discutir o tema.
Em parceria com o Ministério de Minas e Energia, a GIZ apoiará parceiros brasileiros na execução do projeto H2 Brasil, voltado para o fomento de uma economia brasileira de hidrogênio verde e seus derivados. Em outubro, o governador Rui Costa visitou as instalações da Siemens Energy, em Berlim, onde manifestou o interesse em receber investimentos para um projeto de H2V. A empresa atua na Bahia desde 2011, com a Siemens Gamesa, que investiu R$ 400 milhões em uma unidade em Camaçari, onde fabrica geradores eólicos e emprega 180 pessoas.
“Nesta primeira agenda, discutimos sobre projetos de energia eólica, energia solar e sobre desenvolvermos um projeto piloto para a produção de hidrogênio verde, que é o futuro da geração de energia, discutido no mundo inteiro. Também falamos de outras parcerias com a Siemens Energy na área de automação, segurança, saúde e mobilidade urbana, que devem gerar emprego e renda para o povo baiano”, projetou à época o governador da Bahia.
Murilo Gitel
Notícia Sustentável
Hidrogênio verde
Hidrogênio cinza
Hidrogênio azul
gerado com o mesmo processo do hidrogênio cinza, mas a maior parte do carbono emitido durante sua produção é “capturado” e não liberado na atmosfera, por isso é descrito como um gás de baixa emissão.
Uma estimativa recente do Goldman Sachs, aponta que o mercado global de H2V valerá US$ 11 trilhões até 2050.
Oportunidade para o Nordeste
Coordenador dos projetos Governadores pelo Clima e HidroSinergia no Centro Brasil no Clima (CBC), Sérgio Xavier vê o hidrogênio verde como uma alternativa energética que representa uma grande oportunidade aos estados do Nordeste. “A União Europeia já definiu políticas muito claras para investir no hidrogênio verde como um combustível de transição energética para substituir as fontes fósseis, e isso vai criar uma oportunidade para muitos estados do Nordeste brasileiro, uma vez que o hidrogênio verde pode ser produzido de forma limpa, pois ele precisa de energias renováveis.”
Como exemplo, o coordenador do CBC cita o projeto HidroSinergia, desenvolvido em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (ICS), o qual visa gerar políticas públicas nessa área. “A gente sempre diz que o desafio da sustentabilidade é conectar o que está disperso. Foi essa visão segmentada que nos levou a todos esses problemas ambientais, econômicos e sociais”, justifica Xavier. A iniciativa tem quatro eixos que precisam de políticas interconectadas:
- A transição energética para o hidrogênio verde (incentivos e articulações para a produção dessa fonte energética)
- O planejamento integrado das energias eólica e solar
- A gestão das bacias hidrográficas – principalmente a do Rio São Francisco
- O planejamento da capacitação nos lugares mais vulneráveis para que as pessoas possam acessar os melhores empregos dessa cadeia nova que está sendo criada
Xavier, que já foi secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, analisa a necessidade de a região criar um planejamento integrado com os objetivos de fornecer o hidrogênio verde para o mundo e o mercado interno, mas, além disso, alavancar o desenvolvimento regional. “Com isso, buscamos a redução das desigualdades, tentando capacitar as pessoas do interior para que elas acessem recursos e criem uma economia local que fortaleça as comunidades”, aponta.
Visão sistêmica e integrada
No último encontro do movimento Governadores pelo Clima sobre o projeto HidroSinergia, a agência GIZ informou que a Alemanha dispõe de 2 bilhões de euros para investir em parcerias internacionais por meio de processos que possam incentivar as novas tecnologias capazes de fomentar os mercados internos e as exportações.
“Os governadores estão agora se mobilizando em cada região. Há uma coalização nacional que estimulou a criação de um consórcio e de um fundo voltado à atração de recursos internacionais. Quando a gente tem uma visão mais sistêmica e essa preocupação em conectar o planejamento regional com as entidades internacionais de uma forma integrada, é possível obter resultados rápidos e muito consistentes”, afirma Xavier.
Competição desnecessária
Embora reconheça que Ceará, Pernambuco e Bahia reúnam, atualmente, as melhores condições para produzir o hidrogênio verde, levando-se em conta os projetos de energia renovável que já desenvolvem e suas infraestruturas industriais e portuárias, Xavier acredita que os demais estados do Nordeste também têm muito a ganhar com essa alternativa energética.
“O hidrogênio verde precisa contar com uma localização estratégica para a exportação, mas, ao mesmo tempo, pode envolver toda a região. “Os estados que hoje não estiverem com boas condições de receber plantas de hidrogênio verde poderão abastecer essas unidades industriais com energias renováveis. Podemos ter, pela primeira vez no Nordeste, um planejamento integrando toda a região, olhando como reduzir a pobreza, criando uma indústria no interior, sem uma competição que muitas vezes atrapalha o desenvolvimento regional”, pontua o coordenador do CBC.
Desafios do Hidrogênio Verde
E quais são os principais pontos negativos e desafios referentes ao hidrogênio verde? Enquanto o mundo busca formas de reduzir e até mesmo eliminar os combustíveis fósseis, os críticos do H2V alegam que utilizar a energia eólica ou solar para produzir um outro combustível representa, no atual momento, um desperdício de energias renováveis.
O ativista da organização ambientalista Friends of the Earth Scotland, Jess Cowell, considera que pode haver um futuro para o hidrogênio verde, mas agora não é o momento de investir nele. “Você corre o risco de desviar a capacidade renovável existente para a geração de hidrogênio verde e, neste momento, esse é um processo incrivelmente ineficiente”, disse à CNN.
Regulação, armazenamento e transporte
Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o físico Heitor Scalambrini observa que o Nordeste brasileiro tem uma diversidade muito grande no que diz respeito a fontes renováveis de energia e que, por essa razão, precisa sempre procurar investir nas alternativas que causam menor impacto socioambiental.
“Eu não acredito muito nessas soluções tidas como salvadoras. A gente fala de hidrogênio verde por meio da eletrólise, separando o hidrogênio do oxigênio. É verde porque é produzido por meio fontes renováveis, como solar e eólica. É um combustível leve e reativo. Um dos gargalos é a questão do armazenamento. Se ele chega para complementar nossa matriz elétrica, do ponto de vista ambiental, é muito positivo. Mas sempre vai ter um impacto. A questão é como será produzido. Não sei do ponto de vista do País se há muita viabilidade. O hidrogênio em si tem muitos fatores positivos, a questão é como será implantado”, suscita Scalambrini.
Tecnologia e segurança
Sérgio Xavier, do CBC, observa que também serão necessárias muita tecnologia e segurança, pois o hidrogênio verde é um combustível altamente inflamável. “Existem vários impactos decorrentes dessas tecnologias e eles precisam ser mitigados. Mas com planejamento tudo isso é possível. Nenhum desses impactos é maior do que o ocasionado pela indústria do petróleo. É possível que os empreendedores façam um planejamento cuidadoso, com processo de licenciamento participativo, construam estruturas que agreguem valor e reduzam os impactos”, pondera.
Os desafios do hidrogênio verde ainda incluem a criação de políticas de incentivo para que os processos possam avançar e a elaboração de um mercado regulatório. O vizinho Chile, por exemplo, já anunciou há mais de um ano uma política nacional voltada ao H2V. Por lá, cerca de cem empresas estão envolvidas com 60 projetos – o planejamento ambicioso é contar com uma capacidade de 5 GW em 2025, 20 vezes mais do que todo o mundo produz atualmente.
Planejamento, já!
“Por fim há o desafio da distribuição e transporte do produto final, que envolverá adequações portuárias, rotas marítimas e também a distribuição interna. Dá para otimizar o que já existe e promover as inovações necessárias. Esse planejamento tem que começar já. O mercado internacional está se movimentando com muita velocidade. Se o Brasil não se movimentar com essa mesma intensidade poderá perder essa oportunidade para outros países”, alerta Xavier.
Para o diretor do ISI-ER, Rodrigo Mello, o grande desafio que existe ainda é, “a partir de decisões mais céleres possíveis, tanto da iniciativa privada quanto do setor público, colocar isso para rodar”. “Porque precisamos que o desenvolvimento tecnológico seja acelerado e que a escala de produção faça com que o valor atual do hidrogênio verde ou renovável possa diminuir muito, para que ele chegue naturalmente nas nossas casas”.
Tudo isso para que o tão festejado “combustível do futuro” se desenvolva no Brasil (especialmente no Nordeste) para ajudar a descarbonizar o sistema de energia, gerar emprego e renda, além de reduzir as emissões de gases do efeito estufa que causam o aquecimento global e aceleram a emergência climática. Em suma, que venha a ser o combustível do agora.
5 principais vantagens do hidrogênio verde
1
Não emite gases do efeito estufa em sua produção, quando armazenado por células a combustível
2
Pode abastecer veículos pesados, aviões e navios
3
Pode ser utilizado em equipamentos da indústria pesada
4
Complementa a cadeia das energias renováveis, como eólica e solar
5
Produção em áreas portuárias já existentes, facilitando o armazenamento e a distribuição logística