À direita da foto, um homem magro, de calça jeans, camisa de botões azul e chapéu de palha de aba larga observa uma pequena arvore atrofiada e retorcida como um bonsai num terreno acidentado com solo avermelhado e escassa cobertura vegetal. Acima, céu azul com nuvens brancas
Morador de São João do Cariri, o professor Nivaldo Maracajá Filho mostra área em processo de desertificação | Foto: Camila de Almeida

Por Maristela Crispim
Editora-chefe

A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação do Efeitos de Seca (UNCCD) define desertificação como “a degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, incluindo as atividades humanas e as variações climáticas”.

No Cariri paraibano, uma das regiões mais secas do Brasil, é possível observar os efeitos da supressão da vegetação nativa no solo em alguns pontos, como no município de São João do Cariri que, entre outras características, apresenta a multiplicação de espécies indicadoras de solos degradados, de invasoras; e afloramentos rochosos expostos que indicam um ponto de quase não retorno.

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Estudioso da área, o professor Bartolomeu Israel de Souza, do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) detalha que degradação é um contexto muito amplo, relacionado à cobertura vegetal, não só em quantidade, mas em diversidade. Isso é importante para identificar e mitigar diferentes estágios de degradação que podem resultar no surgimento de desertos em nosso País, às vezes ocultos pela presença de espécies que dão a falsa sensação de cobertura vegetal e escondem múltiplos problemas.

“Às vezes há um matagal bem extenso, mas a diversidade é baixa, se comparada a uma caatinga onde se encontra dezenas de espécies herbáceas e arbóreas. Numa área degradada, embora aparentemente não se perceba, há uma diminuição acentuada de diversidade, até chegar aos casos clássicos de áreas onde basicamente se vê cactáceas, um ou outro arbusto, mesmo no período chuvoso. Essas áreas estão no auge da desertificação e não conseguem se recuperar espontaneamente”, explica.

A polêmica algaroba

Paisagem mostrada do alto com vegetação verde clara no primeiro plano e de um verde mais vivo do outro lado de uma ponte que está mais ou menos no centro da foto. Mais ao fundo, uma pequena cidade e no alto, céu nublado
Introduzida no Brasil, na década de 1950, para aumentar o estoque de forragem para expansão do gado, a algaroba se adaptou bem nos vales dos rios, como em São João do Cariri, e se transformou numa invasora | Foto: Camila de Almeida

O pesquisador admite que o uso de imagens de satélite para se determinar o grau de cobertura vegetal tem seus limites. “Existe imagem de satélite de alta resolução, que distingue até a diversidade espécies, mas é muito caro para a nossa realidade. O que muitas vezes se vê como verde, não necessariamente é uma caatinga preservada. São espécies exóticas, onde domina, particularmente na Paraíba, a algaroba”.

Ele conta que a espécie foi introduzida no Brasil, na década de 1950, para aumentar o estoque de forragem para expansão do gado. “Ela se deu muito bem nos vales dos rios e se transformou numa invasora. Às vezes as imagens do verde, que poderia ser caatinga preservada, não é. Se trata de uma exótica que tem uma capacidade muito grande de descaracterizar as regiões que passa a colonizar. Onde tem água ela suga, tanto em superfície quanto no subsolo porque ela tem dois tipos de raízes, lateral e pivotante. É comum onde tem muita algaroba, ter cacimbas secando. É um problema bastante sério e de difícil solução”, revela.

Segundo suas informações, existem várias pesquisas nas universidades federais da Paraíba e de Pernambuco. “O grande problema é o custo, dada a extensão dessa espécie exótica. Além da capacidade de sugar a água, ela ainda tem a alelopatia, que é a liberação de substâncias tóxicas para inibir o crescimento de outras espécies que possam competir com ela. É muito comum onde tem algaroba, só tem algaroba. Acaba se transformando em um elemento de degradação em área de caatinga”, pondera.

Em São João do Cariri não é preciso andar muito para constatar que a mata ciliar do Rio Taperoá, que desagua no principal açude de região, o Epitácio Pessoa (Boqueirão), está resumida hoje a algaroba. Importante dizer que o Boqueirão chegou a 3% da sua capacidade e que a Grande Campina Grande só não entrou em colapso de abastecimento com a chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco, em 2016.

Foto aérea de grande espelho d'água em tom azul escuro. Na margem esquerda, terra vermelha com vegetação escassa, uma construção com piscina mais ao centro. Uma ilha do lado direito e, no alto, céu azul com nuvens brancas
O Açude Epitácio Pessoa (Boqueirão) chegou a 3% da sua capacidade e a Grande Campina Grande só não entrou em colapso de abastecimento com a chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco, em 2016 | Foto: Camila de Almeida

Infelizmente, as algarobas não são o único sinal de degradação no município. Extensas terras de São João do Cariri apresentam sinais de avançado processo de desertificação, com erosão, voçorocas, exposição de rochas, árvores atrofiadas e predomínio daquelas espécies mais resistentes, como a malva-amarela e o capim-panasco, um cenário desolador apresentado pelo morador do Município, o professor de Matemática Nivaldo Maracajá Filho.

“Isso aqui era vegetação fechada. Tocaram fogo para abrir. Couro era ouro. Depois do ciclo do gado, veio o do algodão e o do sisal. Mas a vocação da pecuária se manteve, com o pastoreio intensivo de cabras e elas comem tudo. O resultado é esse. Só resistem as espécies mais resistentes. A algaroba virou mata ciliar. Ninguém sabe qual será o efeito dessa falta de diversidade de flora, na fauna. Mas ela se tornou uma importante matriz energética, dela também se faz cerca, não se pode negar”, relata.

O professor Bartolomeu destaca que há questões legais, ecológicas e sociais muito difíceis de resolver. “A legislação brasileira diz que área de mata ciliar tem que ser ocupada com vegetação nativa. Qual seria a solução técnica fria? Cortar completamente essa área de algaroba. Só que criaria outro problema. Grande parte da fonte energética do Nordeste, 30% a 40%, é dependente de biomassa. A algaroba entra nesse quantitativo. Se cortar, se vai voltar, ainda mais, ao que sobrou de caatinga nativa. A legislação não proíbe sistemas agroflorestais em área de mata ciliar. Uma solução intermediária, que talvez fosse menos cara, embora ainda não tenha sido testada, seria sistemas agroflorestais, reintroduzindo nativas, deixando exóticas. Porque ela só se transforma em invasora onde já é área degradada”, sugere.

Academia com foco na comunidade

Homem branco, de cabelo e barba escuros, veste calça cinza, camisa rosa, tênis e relógio de pulso escuros e aponta para uma área de escoamento de água seca. Mais ao fundo, uma ponte de metal pintada de azul está instalada sobre bases de concreto pintadas de branco. A terra é avermelhada e há árvores e vegetação rala ao redor
John Cunha, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) integra um grupo que trata principalmente da Hidrologia do Semiárido | Foto: Camila de Almeida

Na região, muitos pesquisadores, de diferentes instituições, têm-se agrupado em torno de projetos que visam contribuir para a recuperação de áreas degradadas e o Desenvolvimento Sustentável locais. John Cunha, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) integra um grupo que trata principalmente da Hidrologia do Semiárido e monitora alguns componentes do ciclo hidrológico, como vazão em pequenas bacias e geração de sedimento. “A área mais recente, evapotranspiração, conta com pesquisadores do Centro de Tecnologia e Recursos Naturais, do CDSA; do Imperial College e University of Reading, no Reino Unido; e da Universidade de Lisboa, que trabalha com a evaporação da interceptação, que é a água que chove e não chega ao chão, fica na copa das árvores”, explica.

“Há umas questões que queremos identificar, de sazonalidade da vegetação e como ela interage com a água. A chuva ocorre em momentos em que a vegetação pode estar com ou sem folhas, com diferenças na forma como a água chega à superfície. Na superfície, temos sensores para monitorar a respiração no solo: carbono, água, umidade retida. Tudo faz parte da dinâmica que chega à copa das árvores, interage com a vegetação, chega ao solo e como isso é mantido. Associado ao carbono, estamos monitorando qual é a relevância dessa vegetação no sequestro de carbono local e se tem impacto na escala regional e global. Mas a caatinga é muito diversa, cada fisiologia tem um comportamento diferente”, detalha.

O pesquisador explica que, apesar de ter várias aplicações, como monitoramento de reservatórios e estratégia para a gestão, eles pensam nos recursos naturais da vegetação da bacia, na forma como é explorada e como responde com disponibilização para abastecimento público, irrigação e desenvolvimento das atividades econômicas, estratégias de como pode ser melhor gerenciado, quais são as áreas que precisam ser mantidas vegetadas para evitar erosão, algumas simulações para o mínimo de preservação com o máximo de eficiência na redução da perda do solo.

Sobre a integração com as comunidades locais, conta que estão sendo desenvolvidos modelos que funcionam melhor na região, para aperfeiçoar a estratégia de irrigação e, com isso, reduzir o consumo de água e possibilitar a fiscalização das outorgas por gestores públicos. “Também uma possível forma geração de renda com mecanismo de crédito de carbono que permite que quem usa de forma mais eficiente e sequestra mais carbono receba por isso”, acrescenta.

“Esperamos ter ferramentas que deem suporte ao agricultor para o melhor uso dos recursos naturais disponíveis na região”. Para isso, uma estação de monitoramento, na Estação Experimental Professor Ignácio Salcedo, do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), em Campina Grande, mede aproximadamente 20 variáveis climáticas no ar e no solo.

Foto aérea de área com vegetação de caatinga em vários tons de verde e cinza com destaque para robustas espécies cactáceas. Acima, céu azul com nuvens brancas
Vista da Estação Experimental Lagoa Bonita, do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), em Campina Grande, onde uma estação de monitoramento mede aproximadamente 20 variáveis climáticas no ar e no solo | Foto: Camila de Almeida

Já na Estação Experimental de São João do Cariri / Bacia Escola de São João do Cariri, área da UFPB com experimento da UFCG, há estrutura para medir vazão, sedimentos e outras variáveis para entender o comportamento da água na região.

Essa reportagem foi feita em parceria pela Eco Nordeste e Agência Pública.

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